Choro de Natal – por Marcelo Arigony
“O Papai Noel veio sorrateiro, mas agora se apresentou pra valer”
O natal está chegando. Já há alguns dias venho percebendo sua bruma sinestésica. O Papai Noel veio sorrateiro, mas agora se apresentou pra valer. Já pode ser visto ali na esquina, empertigado e cantante, esgoelando-se em dingoubel. Esse velho descarado.
Xô natal. Sai Papai Noel. Neste ano eu não quero que você chegue. Estou pensando em colocar uns cacos de vidro no buraco da lareira, e até cavar um fosso. Ainda não sei onde arrumar os jacarés. Mas vou procurar por aí.
Minha esposa e as crianças acham que estou louco por não querer o natal. Elas montaram até uma árvore natalina. Vejam só! E fazem uma cerimônia de acendimento das luzinhas da árvore todos os dias, opa: todas as noites. As crianças vibram. Seus olhinhos ficam cintilantes. Estão chamando o Papai Noel.
Querem que chegue logo, que venha o Natal, comidinhas, presentes… Tolas, brincando com coisa séria! Inocentes! Elas ainda não sabem, e até bem pouco tempo eu também não sabia, que o Papai Noel nos rouba descaradamente todos os anos. Por trás daquela máscara, fantasiado de bonzinho, tem um ser malvado.
E a gente nem se dá conta. Fica sempre clamando, chamando por ele no ano seguinte, e ansiando que chegue logo.
Quando criança, o natal na casa da minha avó, numa casa simples, de madeira pintada de cor de laranja, além dos avós, reunia pai, mãe, todos os tios, tias, primos, primas. Também vinham alguns contraparentes e outros achegos. Todos muito bem-vindos.
A gente fazia amigo secreto e brincadeiras. Alguém se vestia de bom velhinho e enganava a criançada. Eram tantos parentes que quase não cabiam na casa. Era tanta felicidade que quase não cabia no peito da gente. E havia o milagre da multiplicação. Tinha comida e papai-noel para todos.
Sempre havia um ou mais tios entre os mais velhos que choravam. Eu nunca entendia. Por que chorar numa ocasião tão feliz. Achava que podia estar doente.
E o tempo foi passando. E os natais foram mudando. Pra pior. Aqueles avôs e avós já não participaram nos anos seguintes. Logo também não estavam os tios e as tias. Os primos tomaram outros caminhos, e também não se reúnem mais. Vieram outras crianças, o natal tentou se reinventar, mas nunca mais foi o mesmo.
Cheguei à conclusão de que, em troca daquela noite de felicidade, o Papai Noel nos tira pessoas queridas, que nos fazem muita falta. Todos os anos ele leva alguém. Às vezes leva até mais de um. Demorei muito para perceber isso. Mas agora eu sei. Se depender de mim, neste ano ele não entra aqui em casa.
E eu sou aquele tio que chora…
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Chegou o natal. Sim, daqui até o natal é uma piscada e dois espirros. Aliás esta é a melhor época do ano. Engana-se quem acha que o natal é melhor. O melhor é antes do natal, a expectativa do natal, os dias que o antecedem, e antecedem o ano novo.
Quando chega a noite de natal, já era! A manhã de natal então, uma ressaca danada. E a sensação de que o ano se foi e a gente podia ter aproveitado mais. Mas ainda tem o reveillon, o ano novo. Piscou de novo tá lá. Tempus fugit…
(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.
Nota do Editor: a foto que ilustra esta crônica é de arquivo pessoal.
Papai Noel é uma ficção comunista. Anda sempre de vermelho. Dá presentes de graça, ninguém paga a conta. Os duendes trabalham sem CLT , previdencia ou perspectiva de se aposentar.