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8 DE JANEIRO. Um balanço sobre o golpe derrotado

Pesquisador, sindicalistas e estudante avaliam o ‘Dia da Infâmia’

Por Fritz Nunes / Sedufsm

O dia 8 de janeiro de 2023, data que para muitas pessoas pode ser considerada o ‘Dia Nacional da Infâmia’, foi marcado por imagens que dificilmente sairão da mente de todas as pessoas que possuem um sentimento de defesa das instituições democráticas do país. Naquela tarde de domingo, brasileiros e brasileiras acompanharam, em tempo real, uma tentativa de golpe contra a democracia, que teve componentes como a depredação das sedes dos Três Poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário.

A causa que levou à intentona golpista e que acabou derrotada, tinha componentes que transitaram ao longo de quatro anos de governo Bolsonaro: a descredibilização do sistema eleitoral e das instituições de uma forma geral, iniciativas que sempre foram reforçadas por apoiadores(as) através das redes sociais.

Passado o primeiro ano dessa malograda tentativa de levar o Brasil de novo às trevas, como as vivenciadas de 1964 a 1984, qual é o balanço que se pode fazer? Qual a importância de não esquecer a data? Quais as medidas que precisam ser tomadas para fortalecer a democracia? Para avaliar essas questões, buscamos integrantes da diretoria de sindicatos ligados à UFSM, um dirigente estudantil e um professor e pesquisador de História da UFSM. É o que discorremos a seguir.

8 de janeiro e seus significados
Leonardo Botega
, diretor da Sedufsm, avalia que “os ataques contra a Praça dos Três Poderes foram as maiores afrontas à democracia desde o Golpe Civil-Militar de 1964.” No entendimento dele, foi um crime contra a sociedade brasileira que não pode ser esquecido e tolerado. “Felizmente, as reações das forças democráticas, tanto nos atos do dia seguinte, quanto na prisão dos envolvidos, demonstraram um sinal de que não há tolerância com os intolerantes da extrema-direita e com o fascismo”, frisa Botega. Ele também alerta: “Porém, isso não significa que o golpismo acabou. O bolsonarismo, com seu âmago golpista, segue vivo.”

Venice Grings, do Sindicato dos Técnicos de Nível Superior (Atens-SM) da UFSM, argumenta que no dia 8 de janeiro de 2023 a população brasileira foi surpreendida, negativamente, com ações inimagináveis num espaço público, com destruição de símbolos nacionais e obras de arte de significado político e cultural.

Na condição de sindicalista, ela refere que defende a liberdade de expressão, porém, ressalta que “o que assistimos no dia 8 de janeiro foi uma verdadeira afronta à democracia”, já que espaços históricos e simbólicos da democracia “foram invadidos de forma violenta, desrespeitosa e agressiva, buscando invalidar o legítimo resultado das eleições”, sublinha Venice.

Para a integrante da Atens-SM, o evento, que agora completa um ano, deve ser lembrado “para sabermos que boa parte da população do país segue um falso ídolo, que se formou rapidamente para corresponder aos ideais da extrema direita, que não aceita diminuir seu espaço na sociedade e quer garantir seus privilégios cristalizados através da exploração da mão de obra da classe trabalhadora”.

Para Hazael Almeida, técnico-administrativo do Colégio Politécnico da UFSM e coordenador-geral do Sinasefe Santa Maria, o ato ocorrido em Brasília (8 de janeiro de 2023) “mostra que nossas instituições não estão preparadas”. E acrescenta: “Apesar de o país ter soberania democrática, uma parte importante da população não acredita na democracia”, diz ele. “E isso é um problema que vem desde a base, desde casa, quando as pessoas aprendem a furar fila, por exemplo. O que aconteceu mostra uma face de parcela importante da sociedade, que não sabe esperar chegar o seu próprio tempo”, analisa Haesel.

Alessandra Alfaro Bastos, da coordenação-geral da do Sindicato dos Técnicos e Técnicas da UFSM (Assufsm), avalia que “já tínhamos um dia para ‘lembrar para que nunca mais se repetisse’, lembrança de um tempo de perseguições e mortes a quem se insurgisse contra um governo autoritário”. Ela complementa dizendo que “agora, no período pós-redemocratização, vimos em tempo real um disruptivo dia 8 de janeiro, ocasião em que parte da direita ultraconservadora brasileira, ao modo que havia acontecido dois anos antes no Capitólio dos Estados Unidos, executava seu ato mais insólito, ocupava as ruas de Brasília e depredava prédios dos três poderes, em ações sem precedentes na história brasileira, pedindo intervenção militar e morte aos ministros da Suprema Corte.”

E tudo, diz ela, uma semana após a posse do reeleito presidente Lula, com os/as golpistas alegando fraudes nas eleições, o temor de uma ditadura comunista, entre tantos outros boatos infundados que, segundo Alessandra Alfaro, vinham em crescente desde as jornadas de junho de 2013.

Na visão de Juan Gabriel da Silva, da coordenação-geral do DCE da UFSM, “lembrar o 8 de janeiro e demarcar como uma data de lutas e mobilizações está na esteira do enfrentamento à extrema direita, responsável por um governo antipovo e genocida, que foi o governo de Bolsonaro”.

O estudante entende também que é “importante salientar que derrotar Bolsonaro foi uma vitória democrática”, mas, pondera ele, “a extrema direita não teve seu fim nas eleições”. Juan acrescenta que “precisamos seguir enfrentando essa política que é presente, inclusive, na Câmara de Vereadores de Santa Maria, que questiona as instituições democráticas, as urnas e que, inclusive, tinha como horizonte o fechamento de regime.”

Um movimento golpista
Gilvan Veiga Dockhorn, professor de História no departamento de Turismo da UFSM, pesquisador de temas como “regime civil-militar no Brasil” e “golpe”, analisa que a questão primordial é insistir na defesa de que houve uma tentativa de golpe de Estado no Brasil, mas que isso foi feito a partir de um “movimento organizado”, não apenas para a invasão e depredação dos palácios dos Três Poderes em Brasília, mas, sobretudo, “um movimento que atuou desde a posse de Jair Bolsonaro como uma concreta ameaça à democracia e às instituições democráticas.”

Para sustentar a sua afirmação, Gilvan destaca a ocorrência de constantes manifestações por intervenção militar, fechamento do Congresso e do STF, a transformação das comemorações de 7 de setembro em palanques de extremismos e ufanismos; a desconstituição veemente (e sem bases técnicas) do sistema eleitoral, com acusações sem provas de fraude, os nefastos e tolerados acampamentos de bolsonaristas (principalmente diante dos QGs do Exército pelo Brasil), as interrupções de estradas e tentativas de atentados, como o de 24 de dezembro de 2022, no Aeroporto Internacional de Brasília, quando dois bolsonaristas acoplaram uma bomba em um caminhão-tanque, abastecido com 60 mil litros de querosene de aviação, que ia entrar na área do terminal.

Na ótica do pesquisador, lembrar os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 significa dizer que a democracia e o Estado de Direito no Brasil seguem sendo ameaçados. Para ele, tal qual o 1º de abril de 1964, a data (8 de janeiro) nos lembra que, para parte considerável da sociedade brasileira, a democracia é funcional, ou seja, “serve quando os serve”. Para estes, diz Gilvan, o Estado e suas instituições devem existir para servi-los e manter a sociedade nos padrões por estes definidos como adequados, ou seja, desiguais.

O que fazer para fortalecer a democracia
Quais seriam algumas das ações possíveis no sentido de evitar novas tentativas de golpe e, ao mesmo tempo, que fortalecessem o sistema democrático brasileiro, que se libertou de um regime totalitário há apenas 39 anos?

Leonardo Botega, diretor da Sedufsm, analisa essa interrogação da seguinte forma:

“Existem duas formas de evitar um outro ataque à democracia. Primeiro, com nenhuma anistia para golpistas, o que significa não esquecer que, para além dos mais de mil presos nos dias que se seguiram ao 8 de janeiro, existem muitos cúmplices, civis e militares, que apoiaram, financiaram e organizaram o processo golpista”. Para o docente, organizadores e financiadores não podem ficar impunes.

Acrescenta ainda como segundo tópico, que ajudaria a evitar golpismos e a fortalecer a democracia, é o entendimento de que “só se defende a democracia fazendo ela ter sentido para as pessoas”. E, segundo Botega, “isso significa ampliar cada vez mais as dimensões da democracia, sobretudo, a dimensão social”. Para ele, a democracia não deve se limitar apenas a um método de escolha de governo, deve ser parte permanente da construção da relação entre o Estado e a sociedade.

A coordenadora da Assufsm, Alessandra Alfaro, analisa a partir de uma reflexão da socióloga, ex-professora da UFSM, Rosana Pinheiro-Machado. Ao realizar pesquisas com eleitores do ex-presidente Bolsonaro, comenta Alessandra, a socióloga “refere a incapacidade da esquerda tradicional de compreender e atender as necessidades de uma parte da população que não se identifica com o progressismo nos costumes, somada à crise econômica potencializadora da insatisfação contra ‘tudo que está aí’.”

A dirigente sindical estabelece também uma comparação entre o que ocorreu no Brasil e a invasão do Capitólio norte-americano. No caso estadunidense, ela comenta que se verifica que os movimentos liberais-conservadores se articulam, copiando uns aos outros, exportando táticas e técnicas, como os novos populismos de direita via algoritmos, de Donald Trump, e a direita tradicional e os golpes midiáticos como as operações Lava-Jato e Mãos-Limpas.

Diante desses cenários, com suas similaridades, Alessandra argumenta que “considerando a soma de fatores que culminaram nos atos golpistas e violentos no Brasil de 2023, é imprescindível o rompimento das bolhas ideológicas através de mais transparência, promoção da descentralização com a ampliação da participação popular. Ao invés de emendas parlamentares, por que não vincular às demandas identificadas pela população, questiona ela.

Para a coordenadora da Assufsm, considerar extremistas como “ignorantes e ignóbeis” sem a devida investigação e repressão, fortalece líderes-oportunistas, estimula a disseminação de falsas notícias, enfraquece a democracia e as instituições, devendo a esquerda repensar suas práticas, sensibilizar e promover a inclusão da população que desconhece.”

Hazael Almeida, da coordenação do Sinasefe em Santa Maria, vê como elemento importante para evitar que atos como o 8 de janeiro voltem a se repetir, a educação. E quando se refere à educação, não apenas a aspectos do ensino formal, mas também no que passa pelo ambiente familiar, com valores que destaquem a diversidade, a pluralidade e o respeito às instituições. Obviamente, diz ele, que tudo passa pela escola, pois “é o ambiente mais democrático, mais plural”.

Todavia, acrescenta ele, também “precisamos que os poderes sejam mais ágeis para poder apresentar respostas à sociedade. É o caso, por exemplo, do Judiciário brasileiro, que é moroso, e no caso do 8 de janeiro de 2023, ainda carece de que ocorram mais punições”. Então, diz Haesel, “penso que a educação, desde casa, passando pela escola, deva ser aperfeiçoada para tentar minimizar os problemas, evitando que ações como a de 8 de janeiro voltem a se repetir”.

Venice Grings, da Atens-SM, entende que, a lembrança do 8 de janeiro também é uma forma de pensar sobre o quanto se precisa lembrar para “avançarmos nos espaços democráticos, nos quais a formação política deve preencher esta lacuna em auxiliar os grupos humanos a viverem mais autônomos e partícipes das decisões da comunidade/sociedade”.

Na visão de Juan Gabriel da Silva, do DCE da UFSM, para evitar novas ações golpistas e fortalecer a democracia, é fundamental “mantermos erguidas as bandeiras contra a Anistia e pela prisão de Bolsonaro e seus cúmplices”. Para o estudante, é preciso compreender que “o processo histórico de fortalecimento das liberdades democráticas no Brasil exige uma derrota social, portanto nas ruas também, do Bolsonarismo e do conjunto da extrema direita golpista.”

A esse entendimento, Juan acrescenta ser também importante um movimento de massas forte, organizado, um “movimento para enfrentar as políticas antipovo que foram implementadas pela extrema direita, o que resulta, na prática, no fortalecimento da compreensão das liberdades democráticas”.

Responsabilizar, julgar e punir
Para o professor e pesquisador, Gilvan Dockhorn, para evitar ou minimizar as ameaças à democracia, antes de tudo, é preciso que os perpetradores do 8 de janeiro de 2023 devam ser responsabilizados, denunciados, julgados e suas punições devam ser exemplares. Porém, enfatiza ele, não apenas os invasores e vândalos, mas, sobretudo, os financiadores e instigadores da tentativa de golpe.

O docente elenca ainda outros aspectos que precisam ser considerados quando se pensa em evitar (ou minimizar) golpismo e fortalecer o sistema democrático. Na visão dele, é preciso atacar estruturas, grupos e organizações que instabilizam as instituições pela propagação da desinformação e de fake news, e que ainda seguem agindo. Ele pensa ser primordial a regulação das redes sociais em um novo pacto pela democracia.

Para Gilvan Dockhorn, é fundamental rever o papel das Forças Armadas e rediscutir sua interferência na política do país. Ele argumenta ainda que a base que apoiou, aplaudiu ou consentiu nas ações do 8 de janeiro de 2023, e que se identifica com pautas da extrema direita, permanece convicta e intacta. E, nesse sentido, destaca ele, se misturam inclinações autoritárias e nenhum apego aos valores democráticos com aqueles que aderiram ao discurso fácil de soluções imediatas aos problemas concretos de sua existência.

Portanto, complementa Gilvan, além de fornecer os meios básicos de uma vida digna (retomar uma atitude e políticas emancipatórias em relação à saúde, educação, moradia, acesso ao consumo cultural, políticas de inclusão e respeito), o governo atual, na perspectiva de fortalecer a democracia, “deve propor ações pedagógicas mesmo, voltando a problematizar o passado recente, discutir as narrativas sobre a ditadura civil-militar; enfatizar as conquistas democráticas como valores e marcos civilizatórios; denunciar os crimes da ditadura e insistir no perigo de um governo de bases autoritárias, principalmente para os mais desvalidos, as principais vítimas da violência e opressão do Estado”.

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