Do Correio do Povo / Texto assinado por Flávia Simões (com arte do site Brasil Paralelo)
No Rio Grande do Sul, a maioria do serviço público é composto por mulheres, são 72 mil num contingente de 118 mil servidores. Apesar disso, a média de salário delas corresponde a 63% da remuneração dos seus colegas homens. Se eles ganham, em média, R$ 8.853,60, elas recebem R$ 5.591,42, ainda que representem 61% de todo o funcionalismo. As diferenças se estendem – e ganham corpo – em quase todas as áreas, mesmo naquelas em que elas são maioria. Os números são da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, atualizados em novembro de 2023.
Os dados revelam que a desigualdade salarial não é exclusividade do setor privado e tampouco do funcionalismo gaúcho. Segundo Júlia Lenzi, professora de direito do trabalho na USP, essa é uma realidade em todas as esferas do serviço público, que se intensifica nos estados e municípios. “A gente acredita que as disparidades de salários vão estar restritas à esfera privada, só que a remuneração do serviço público não é apenas a remuneração bruta. Tem gratificações por exercício de função; tem prêmios; tem abonos; verbas de representação. E essa remuneração, toda ela, é atravessada por discriminações e por estereótipos de gênero”, explica.
Em resposta, o governo do Estado afirmou que, no que diz respeito às legislações de carreira e editais de concurso, não há diferenciação remuneratória com base no gênero.
No Estado, as secretarias mais “técnicas”, onde os salários são maiores, como a da Fazenda, as mulheres são minoria em salário e número. Do universo de 1.119 homens que atuam na Sefaz, com uma média salarial de R$ 30 mil; são 407 mulheres atuando, com um salário médio de R$ 24 mil. A secretaria, cabe lembrar, é chefiada por uma mulher, Pricilla Santana.
O caso da Sefaz, contudo, não é um cenário único. Júlia afirma que, não necessariamente, a presença de mulheres em cargos de chefia ou direção vai significar a contratação de mais mulheres ou um aumento da remuneração para elas. Não apenas porque as formas de ingresso no serviço público não são as mesmas no setor privado, ou seja, não dependem somente de processos de seleção pessoais e sim de um concurso público; mas também porque, eventualmente, ao ocuparem espaços de direção, algumas mulheres tendem a reproduzir padrões de comportamento masculino, adotando um tom excessivamente ‘técnico’, de isenção e neutralidade.
Cenários se invertem na educação e saúde
O cenário não fica mais otimista nas áreas em que as mulheres são maioria, como a Educação. A média salarial delas continua menor, mesmo que a diferença seja pouca. Enquanto os homens ganham uma média de R$ 4.375, o salário delas gira em torno de R$ 4.097. O número de mulheres, entretanto, é quase cinco vezes maior do que o de homens que atuam no guarda-chuva da secretaria.
A secretaria de Planejamento, entretanto, afirma que essa diferença trata-se de um “entendimento distorcido” em função do alto número de servidores, com predominância feminina, que compõem a pasta.
Esse dado também tem explicação. Segundo Júlia Lenzi, da USP, pesquisas mostram que áreas em que as mulheres têm predominância como trabalhadoras, como saúde, educação e cuidados, a média salarial delas é mais baixa e a dos homens maior. A justificativa, segundo ela, é porque a remuneração acaba sendo como um reconhecimento ou compensação pela atuação deles em áreas ligadas a estereótipos de gênero.
No entanto, também há pastas cuja remuneração média feminina é maior, assim como o número de servidoras. Na Saúde, por exemplo, o esquema inverte: elas são maioria e recebem mais. A média de salário é de R$ 7.958,57 para as mulheres e de R$7.885,18 para homens. Em valores, a diferença é de R$ 73.
Estabilidade do serviço público atrai
Assim, ainda que os salários sejam mais baixos (porque os cargos o são), fatores como a regulamentação e, sobretudo, a estabilidade tornam o setor público mais atrativo para as mulheres. “Mulheres prestam mais concurso público, ainda que muitas vezes signifique uma remuneração menor, por conta da estabilidade. A estabilidade que é fator importantíssimo para mulheres, sobretudo aquelas que são arrimo de família, mãe solos. E também por saberem que demissões e contratações na esfera privada afetam muito mais elas do que seus companheiros homens”, esclarece Júlia Lenzi, da USP.
“A gente tem a estabilidade aliada a uma certa flexibilidade de horários que também é algo que as mulheres buscam para conseguirem, de alguma maneira, conciliar o trabalho reprodutivo com o trabalho externo. Coisa que 80%, 90% dos homens, não tem que se preocupar. A escolha deles é meramente monetária, porque para eles essa dimensão do cuidado não existe”, completa.
Ainda que seja, infelizmente, uma realidade comum, a desigualdade salarial entre homens e mulheres vai além dos números e resulta em prejuízos sociais, é o caso das mães solo. “Elas são as principais fontes de renda da casa dessas famílias e, com isso, elas acabam tendo uma vida ainda mais precarizada”, afirma Cibele Cheron, professora de ciência política da Ufrgs. “A mãe solo é a mais prejudicada quando você leva em consideração outros fatores, como a questão da renda. Você leva em consideração a sobrecarga da dupla, tripla jornada. E para ter uma mínima chance de promoção, ela precisa se qualificar, ela tem que fazer ações de aperfeiçoamento. Então ela vai ter que fazer uma carga extra horária de atividades de aperfeiçoamento e ela ainda tem todo o trabalho doméstico de cuidado sobre ela e sem um parceiro que divida com ela esses trabalhos (domésticos)”, conta.
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