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Tio Paulo e o Diabo do Redemunho – por Marcelo Arigony

“Aquela sobrinha errou. Isso é fato. Mas o diabo a ser enfrentado é outro”

Alardeado aos quatro ventos virtuais, o caso do cadáver do tio Paulo – levado por uma sobrinha a uma agência bancária no Rio de Janeiro para sacar valores de um empréstimo – evoca questões a serem garimpadas abaixo do rebojo midiático, além da conduta da moça, que vem sendo tironeada na ágora pública moderna.

Na superfície poderiam ser vislumbrados indícios de vilipêndio de cadáver, furto qualificado por fraude, estelionato, violência, maus tratos e extorsões contra idosos… ou fraude famélica? Um empréstimo que teria sido feito uns dias atrás, e só faltava sacar o valor. Mas o tio Paulo morreu. Teria falecido em casa após sair do hospital?

E agora? O dinheiro estava ali, pronto, acessível, acenando para ela. Era só buscar.

A sobrinha do tio Paulo foi presa em flagrante, e teve a prisão mantida pela Justiça. Não que seja desimportante reforçar a prevenção geral pela certeza da pena, e pelo funcionalismo que permite a estabilidade social. Mas certamente a prisão foi mantida mais pela repercussão social, e pela insolitude do caso, do que pelo preenchimento dos requisitos da cautelar.

Disseram que o dinheiro seria usado para um fim nobre: a reforma da casa humilde. Rendesse azo a uma peça de teatro, a história poderia se chamar “O mais puro retrato de um Brasil miserável”. Menos pela precariedade da casa que demandava reforma; mais pela miséria das almas que habitam as casas humildes nas áreas de vulnerabilidade social, nos cinturões de miséria país afora.

No Grande Sertão Veredas, Guimarães Rosa fala sobre o diabo na rua, no meio do redemunho. A história lá é outra, mas serve aqui o diabo para nos sugerir buscar algumas respostas. Que diabos há por trás disso tudo?

Por que se permite tamanho nível de endividamento de populações que não vão conseguir honrar esses compromissos? Por que as taxas de juros para os mais pobres são as mais altas? Por que se permite que idosos pobres sejam bombardeados por ofertas de empréstimos consignados? Por que não incluem educação financeira entre as disciplinas obrigatórias do ensino formal?

Qual a responsabilidade dos big players na oferta e operacionalização de empréstimos a idosos e populações desfavorecidas? Há critérios nisso? Quem fiscaliza? Por que não olham isso? Fala-se tanto em regulação. Eu até sou contra na maior parte das vezes. Mas aqui é preciso. Esse é o diabo do que interessa. É o diabo debaixo da polvadeira do redemunho. Aquela sobrinha errou. Isso é fato. Mas o diabo a ser enfrentado é outro.

(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

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18 Comentários

  1. ‘Mas o diabo a ser enfrentado é outro.’ Brasil tem o inferno inteiro para enfrentar. Na Ianquelandia em alguns estados possivelmente ela iria tomar uma multa (que não seria paga) e um mes na cadeia publica municipal (noutros daria nada também). Rico remédio para ‘esperteza’. Porque impunidade também é problema. Do mais pobre ao maior corrupto da historia nacional.

  2. ‘Aquela sobrinha errou.’ E não vai dar nem cesta basica. Mais barulho para ‘vender jornal’ do que outra coisa. Como se não houvesse coisas mais importantes no pais. Alas, agora é o cachorrinho que morreu no avião.

  3. ‘Qual a responsabilidade dos big players na oferta e operacionalização de empréstimos […]’. Obrigação é emprestar dinheiro, cobrar juros e obedecer a legislação. Não é assistencia social. Discurso de sempre, luta de classes, o ‘rico malvadão’ contra os ‘idosos e população desfavorecida’ coitadinhos.

  4. Ainda no ‘se da um jeito’ porque o Brasil não é para amadores. Russomano gosta de pegar uma camera e ir espinafrar gerente de loja com o CDC. Carreira politica dele é baseada nisto. O que as lojas começaram a fazer? Caixas de som espalhadas no estabelecimento. Politico entra e começa a espinafrar. Tocam alguma musica (da Disney por exemplo) no PA. Algoritmo das redes sociais detecta a violação a direitos autorais e derruba as ‘live’.

  5. Setor financeiro é um dos mais regulados que existe. Mas a função dele não é resolver problemas sociais, nem substituir o Estado. Regulamentação também não é uma panaceia. Sempre se arruma um jeito. Anos atras diversos(as) aposentados(as) pegaram emprestimo consignado. Limite era 30% (algo assim) do que recebiam. Causidicos consumeristas os convenceram a entrar na justiça por conta dos ‘juros altos’. Judiciario suspendeu os pagamentos. Liberou o contracheque das criaturas. Fizeram o quê? Foram noutra instituição e pegaram outro consignado. Judiciario derrubou a suspensão dos pagamentos do primeiro emprestimo e deu KK.

  6. Em tempo, receita antiga porque a inteligencia artificial vai ter impactos. IA é um guarda-chuva que abriga muita coisa. Inteligencia artificial geral é a pedra filosofal por enquanto.

  7. ‘Por que não incluem educação financeira entre as disciplinas obrigatórias do ensino formal?’ Isto é uma bobagem dos(as) contadores(as) e dos(as) donos(as) de lojinhas. No meio juridico a asneira é outra ‘deveriam incluir Direito Constitucional’. Na medicina é ‘deveriam incluir saúde’. Primeiro seria bom olhar o que já existe no curriculo, as vezes muita coisa já esta la (e não resolveu). Segundo: carga horaria tem limite, se aumentarem os temas dilue-se os conteudos. Terceiro: maioria sai da escola sem conseguir interpretar os textos e fazer as quatro operações sem calculadora (matematica financeira tem exponenciação). Num pais que melhoria da educação é sinonimo de aumento de salario dos envolvidos e predios fica dificil. Logo, o ideal (que não vai acontecer) é melhorar a qualidade do ensino (sabe-se la como) fundamental e medio para melhorar a tomada de decisão das pessoas. Efeito colateral, ao menos é a receita antiga, seria aumentar a produtividade, os salarios e a economia do pais.

  8. ‘Por que se permite que idosos pobres sejam bombardeados por ofertas de empréstimos consignados?’ Na mesma toada. Por que o Congresso aprovou o emprestimo consignado? Porque as aposentadorias dão famelicas, falta de gestão da classe politica. De novo credito como ‘complemento de renda’. Na verdade é antecipação, mas as pessoas não atentam a este detalhe. Alas, divida publica também é antecipação de receita e por isto tem um custo. Vermelhos usam o truquezinho, endividam o pais e jogam o dinheiro no ralo com base na ideologia. Contratam uma recessão que quando chega é culpa de quem emprestou o dinheiro, nunca deles. São perfeitos e erram nunca.

  9. ‘Por que as taxas de juros para os mais pobres são as mais altas?’ Estatistica. Quem tem maior chance de não pagar? Alas, a pergunta correta é ‘por que as pessoas utilizam credito como complemento de renda e o Estado não toma medidas para corrigir a situação?’

  10. ‘Por que se permite tamanho nível de endividamento de populações […]’. Pressuposto é que as populações são hipossuficientes e merecem tutela de ‘iluminados’. Fraude famélica é uma piada. Reforma da casa não é para matar fome (não tem espaço para desenhar aqui). Muita gente pega emprestimos que sabe de antemão que não vai ter como pagar. A verificação das financeiras (que não são santas) é burocratica. Alas, já vi empregado de um hotel sacar o FGTS e depois entrar na justiça do trabalho para tentar ganhar algum no acordo. Hoje já não seria possivel. Alas, na California furto até 900 dolares é contravenção. Pequnos negocios foram fechando um depois do outro. Começaram a invadir lojas de celulares, até em shoppings, para saquear. Tudo ‘famelico’ obviamente.

  11. ‘Por que(s)’. Um amontaoado de lugares comuns e chavões de quem não se aprofundou nos assuntos ou não pensou bem a respeito (ou não esta acostumado a).

  12. ‘No Grande Sertão Veredas, Guimarães Rosa fala sobre o diabo na rua, no meio do redemunho.’ O autor é uma especia de James Joyce tupiniquim. Escondia a sofisticação na simplicidade, não é para qualquer um. Uma obviedade, ‘reDEMUnho’. Não é exatamente no meio, mas serve.

  13. ‘[…] além da conduta da moça, que vem sendo tironeada na ágora pública moderna.’ Assunto não é sem importancia, mas tem atenção muito maior do que deveria ter. Presta atenção na ‘agora publica moderna’ quem quiser, para mim a cachorrada pode ficar latindo a vontade detras do alambrado, nem aí.

  14. Ao invés de uma ‘secretaria da segurança’ uma ‘secretaria de assistencia social’. Com orçamento decente obvio, nada ‘simbolico’. Com uma assistente social (maioria são mulheres) encabeçando , não um militante semi-analfabeto ou muito menos algum policial. Obviamente iria causar chiadeira no Casarão da Vale Machado, na teoria diminuiria a demanda por la. Na teoria diminuiria a carga de trabalho das professoras do ensino municipal também.

  15. Secretario de Segurança também não teria atribuição de ‘coordenar atividades de outras secretaria na area’. Esta atividade é função do(a) prefeito(a). Por razões institucionais e politicas. Institucional por conta da lei. Politica porque secretarias são feudos distribuidos como forma de obter apoio no legislativo. Ou seja, têm outras prioridades. Vide governo federal, numero de ministerios do PT não condiz com o tamanha da bancada (fora as emendas). Centrão não gosta.

  16. Guarda Municipal não tem atribuição de cuidar da segurança publica. Nem orçamento. Noutro dia o STJ julgou um recurso. Num determinado municipio prenderam um traficante. Decisão do Tribunal? ‘Guarda Municipal não tem atribuição de fazer revista pessoal’. Pelo que lembro tudo anulado.

  17. Repartição pública tematica não resolve problemas. Canoas tem secretaria da saúde, Fundação para saúde (‘pesquisas’ que deveriam ficar nas universidades) e um hospital universitario quebrado. Cabideiros servem para encher bolso de militantes (não importa o partido).

  18. Em tempo. Por partes como diria Jack, o estripador. Existe um problema etico num delegado a beira da aposentadoria sugerir a criação de uma ‘Secretaria Municipal de Segurança Pública’. É um cabide que pode ser ocupado por quem sugere. Outras cidades têm, mas é dinheiro jogado fora.

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