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O fator Kamala Harris – por Leonardo da Rocha Botega

“A vice-presidente é (hoje) a favorita para ocupar a candidatura democrata”

O que era previsto pela maior parte dos estudiosos da política estadunidense ocorreu no último domingo, 21 de julho. O presidente Joe Biden anunciou a desistência de sua candidatura à reeleição. O fato não é uma novidade na História dos Estados Unidos da América, o presidente Lyndon Johnson já o havia feito em 1968. Porém, se tornou uma novidade (já esperada) na atual campanha eleitoral.        

O péssimo desempenho de Biden no debate presidencial de 27 de junho, as constantes gafes, os rumores sobre a sua saúde mental e a incapacidade de mobilização sua campanha fizeram com que as pressões pela mudança da candidatura democrata à presidência aumentassem. O anúncio foi definido a partir da percepção por parte da maior das lideranças do Partido Democrata de que, a medida em que as eleições se aproximam, menor pareciam ser as chances de Biden derrotar o republicano Donald Trump, cuja campanha recebeu um forte impulso após o atentado de 13 de julho.

A rodada de pesquisa eleitoral, realizada pela CBS News/YouGov, após o atentado contra o republicano em um comício na Pensilvânia, divulgada no último dia 18 de julho, indica que 52% dos prováveis eleitores estadunidenses votariam em Trump, enquanto que 47% votariam em Biden. Nos dez estados maleáveis, aqueles que historicamente não se definem como pró-republicanos ou pró-democratas, as possibilidades de vitória de Trump se demonstram maiores do que a do atual presidente.

Nesse sentido, diferentemente do que ocorreu em 2016, quando perdeu para Hilary Clinton no computo total de votos, mas venceu na maioria dos estados, o ex-presidente republicano teria fortes possibilidades de vencer, tanto na totalidade dos votos, quanto no colégio eleitoral. Ao mesmo tempo, as patinadas da candidatura Biden representavam uma ameaça as eleições dos democratas ao próprio Congresso. Os riscos de Trump chegar novamente à presidência e de ter maioria nas casas legislativas, aliado ao domínio republicano na Suprema Corte, acenderam um alerta.

Apesar de previsível, a renúncia de Biden abriu a possibilidade de um novo fator nas eleições estadunidenses: o fator Kamala Harris. A então vice-presidente é (hoje) a favorita para ocupar a candidatura democrata à presidência. Não é uma unanimidade dentro do Partido, porém representa a não ruptura entre o governo democrata e a candidatura democrata. Qualquer outra candidatura reforça a ideia vendida por Trump de que o governo democrata estaria destruindo o país e deixaria o governo (e o partido) sem uma legitima defesa.

Não que o governo Biden venha sendo um grande governo. A recuperação econômica dos últimos anos tem sido colocada em xeque ao longo deste ano. O PIB deste primeiro trimestre cresceu abaixo do esperado, a geração de empregos recuou e o custo de vida, principalmente dos alimentos, seguiu aumentando. Soma-se a isso, as críticas a uma política externa que errou muito em sua avaliação sobre a questão da Ucrânia e que tem legitimado o genocídio do povo palestino pelo governo Netanyahu.

A candidatura Kamala Harris é a única que representa a afirmação do apoio partidário ao governo Biden. Portanto, é a única que não abre a possibilidade do discurso de que o próprio partido considera o governo ruim. Nesse sentido, a candidatura Kamala Harris tem um forte viés defensivo. Mas também, um forte viés ofensivo que pode ser explorado pela própria imagem da candidata.

Apesar de ser uma figura ligada a política tradicional e as estruturas de poder dos democratas, Kamala Harris é filha de imigrantes. Seu pai é jamaicano e sua mãe é indiana. Sua imagem representa a ressignificação da antiga ideologia do “sonho americano” iniciada pelo governo Obama e tão combatida pelo nacionalismo xenofóbico trumpista. A disputa simbólica, que não encontrava espaço na segunda candidatura Biden, poderá ser reativada. A “nova América” contraporia o tradicionalismo do “Fazer a América Grande de Novo”.

O fator Kamala Harris poderá deixar aberta uma eleição que parecia definida. Por inúmeras questões, sobretudo, por não representar nenhuma possibilidade de mudança estrutural na decadente política estadunidense, é uma candidatura que não empolga muito o progressismo. Porém, a necessidade de barrar a possibilidade concreta de retorno de Donald Trump à presidência da principal potência ocidental e o fator multiplicador disso, no momento, está acima de qualquer senão.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Observação do Editor: a foto de Kamala Harris, que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida na internet.

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