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Siameses políticos – Parte 4 – por José Renato Ferraz da Silveira

“...O Grande Jogo é ganhar as eleições e exercer o poder no longo prazo...”

“A linguagem dominante denominava totalitários os Estados que, em nome da força da coletividade, negavam ao mesmo tempo os direitos dos indivíduos e as formas constitucionais da expressão coletiva: eleições livres, liberdade de expressão e de associação”.

Jacques Rancière

“O apelo aos precarizados e frustrados – todos os fascismos históricos fizeram apelo aos grupos sociais que sofrem frustração e se sentem desleixados pela política. As mudanças no mundo do trabalho, promovidas pela globalização econômica e financeira, são terreno fértil para o fascismo”.

Cândido Grzybowski

Braudel e o “fim das ideologias e utopias”

Fernand Braudel foi o homem que revolucionou, no século XX, a história econômica. Certa vez, ele disse: “foi no Brasil que me tornei inteligente”.

Se o Brasil ajudou de algum modo, o intelectual Braudel buscava através de sínteses explicativas abrangentes a demonstrar os ciclos longos e seculares, em contraste com os períodos conjunturais.

Na metade dos turbulentos anos 70, o historiador francês questionava se o choque de petróleo de 1973 não teria marcado o início do lento declínio de um dos seus ciclos seculares.

As previsões de Braudel não se confirmaram no primeiro momento. E ele foi amplamente rejeitado pelos economistas. “Estes, como se sabe, têm desconfiança e relutância de explicações históricas, culturais, políticas para fenômenos da sua reserva de caça”, como diz Rubens Ricupero.

A lógica econômica determina os rumos da política?

Os rumos da política e as novas roupagens

Novas roupagens maquiadas e reformulações propositivas às ideologias políticas antigas se adequaram ao novo contexto do debate político atual.

Vejamos o caso dos dois principais partidos nos Estados Unidos.

Há alguns anos, o site do Partido Republicano exibia com destaque um documento intitulado “Princípios para a renovação americana”, “uma declaração de posições sobre distintas e abrangentes questões políticas. A lista começa com a Constituição (Nossa Constituição deve ser preservada, apreciada e respeitada)” (LILLA, 2018, p. 15).

No Partido Democrata, não havia documentos como esse. Ao invés disso, no fim da página, uma lista de links intitulada “povo”. E cada link leva a uma página concebida para atrair um grupo e uma identidade distintos: mulheres, hispânicos, “americanos étnicos”, a comunidade LGBT, indígenas, afro-americanos, asiático-americanos, ilhéus do Pacífico… “Há dezessete grupos e dezessete mensagens distintas” (LILLA, 2018, p. 16).

Na vitória de Trump, os republicanos convenceram a maior parte do público de que eles são o partido da plebe e de trabalhadores braçais e os democratas são o partido das executivas alienadas e bem de vida.

O grande jogo

De qualquer modo, esse debate nos Estados Unidos entre o Partido Democrata e Republicano se proliferou em maior ou menor grau, dimensão e alcance entre a direita e esquerda no mundo ocidental.

O liberalismo identitário determinou movimentos da esquerda “a conquistar uma diversidade superficial nas organizações e a recontar a história de modo a deslocar o foco para grupos marginais e não raros minúsculos” (LILLA, 2018).

E parte da direita abraçou movimentos reacionários, nacionalistas, populares, oportunistas, “o lado certo da história” (Ben Shapiro) e resgataram particularidades similares aos movimentos extremistas na Europa na década de 20 e 30 do século XX: como o fascismo e o nazismo (vejam o crescimento de grupos neonazistas no Brasil nos últimos anos).

Hoje e no passado, o Grande Jogo é ganhar as eleições e exercer o poder no longo prazo – na democracia – em todos os níveis de governo.

E para isso, a esquerda e a direita com essas velhas roupagens maquiadas de novas buscam ter uma mensagem com apelo ao maior número possível de pessoas e assim uni-las.

Por fim, ganhará quem pensar politicamente e não pseudopoliticamente!

(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.

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18 Comentários

  1. Resumo da opera. Mais uma série de artigos ‘a esquerda é tudo de bom’ e ‘a direita é taxista, frentista, manobrista, dentista’. Noutro dia em Solingen na Alemanha um oriundo da Siria esfaqueou um monte de gente. Estado Islamico. Militares americanos já dizem que não é questão do ‘se’, mas do ‘quando’ um ataque de grande porte ocorrerá em solo ianque. O busilis todo é ficar discutindo o mundo ‘em tese’ ignorando o que acontece na realidade. Uma forma de ‘escapismo’.

  2. ‘[…] ganhará quem pensar politicamente e não pseudopoliticamente!’ Bola de cristal? Quem define o que é ‘politco’ e ‘pseudopolitico’?

  3. ‘[…] a esquerda e a direita com essas velhas roupagens maquiadas de novas buscam ter uma mensagem com apelo ao maior número possível de pessoas e assim uni-las’. Academia, principalmente nos lugares mais atrasados, ao invés de buscar novas categorias tentam encaixar fenomenos da atualidade em teorias do passado. Existem os que não sairam da decada de 70, é claro, mas são minoria. O começo do seculo passado teve duas guerras mundiais, Grande Depressão, primeira Guerra Fria. Agora são outras questões, mudanças climaticas, mudança de matriz energetica, avanços tecnologicos. Querer aplicar ‘soluções’ para problemas do seculo passado agora é perda de tempo e de energia. Nem se mencionou o pos modernismo. Alas, o Muro de Berlim caiu, bom lembrar.

  4. ‘[…] particularidades similares aos movimentos extremistas na Europa na década de 20 e 30 do século XX: como o fascismo e o nazismo (vejam o crescimento de grupos neonazistas no Brasil nos últimos anos).’ Outra ‘narrativa’ da esquerda. CLT vem da Carta del Lavoro, quem defende a dita cuja no Brasil? A direita? Economia era coisa de Estado para os fascistas. Quem defende intervenção estatal na economia?

  5. ‘Hoje e no passado, o Grande Jogo é ganhar as eleições e exercer o poder no longo prazo – na democracia – em todos os níveis de governo.’ Não, o jogo hoje é ganhar as eleições e ‘depois a gente vê’. Não existem mais lideranças e o longo prazo esta completamente abandonado. A bem da verdade o planeta vive uma transição. Energetica, geopolitica, cultural e economica. Ocidente cai e a Asia sobe.

  6. ‘ […] “o lado certo da história” (Ben Shapiro) […]’. O autor é conservador sem duvida. Dizem que o capeta mora nos detalhes. Estar no ‘lado errado da historia’ na Ianquelandia: ter politicas ou praticas que são percebidas como não progressistas ou ‘iluminadas’; comportar-se de maneiras que refletem praticas ultrapassadas ou opiniões desaprovadas. Livro foi escrito depois que o autor foi impedido de palestrar numa universidade. Titulo tem um trocadilho ‘certo’ e ‘a versão da direita’.

  7. ‘E parte da direita abraçou movimentos reacionários, nacionalistas, populares, oportunistas […]’. Existe ‘democracia’ sem ‘popular’? Nacionalismo em si não é algo ruim (o nazismo era nacionalismo racial, diferente). ‘Reacionário’ e ‘oportunista’ são juizos de valor (bastante ‘academico’). Alas, quem reage faz contra alguma coisa.

  8. ‘ a conquistar uma diversidade superficial nas organizações […]’. Organizações. Anos atras (2015) a McKinsey publicou um ‘estudo’ onde afirmava, apos estudar quase duas centenas de empresas, que os melhores resultados eram obtidos pelas mais ‘diversas’. Nunca divulgou quais as empresas que foram estudadas. Em junho o Wall Street Journal publicou materia sobre o assunto. Ninguem conseguiu reproduzir os resultados fazendo estudos semelhantes. Olhando os resultados das empresas que ‘deversificaram’ o resultado é até pior. Alas, a tentativa de impor valores de esquerda nos clientes via ‘diversity, equity and inclusion’ das empresas até ‘deu ruim’ em muitos casos.

  9. Daí o ‘[…] todos os fascismos históricos fizeram apelo aos grupos sociais que sofrem frustração e se sentem desleixados pela política.’ A menção ao ‘fascismo historico’ é simplesmente uma desqualificação. Fato é que a ‘democracia’ não está entregando e as populações estão frustradas e tem certeza que os politcos tratam dos proprios problemas e não resolvem os da sociedade. Vide Republica Socialista da California. Carga tributaria na casa do chapéu. Tem o Vale do Silicio que é muito bem taxado (Haddad ficaria contente). São Francisco (e outras cidades) tem outra cidade dentro, barracas dos ‘homeless’. Epidemia de opioides. O que o governo faz? Distribui barracas e seringas. O dito estado começou a construir um trem bala há quase 10 anos atras, não ficou pronto e o orçamento foi para o espaço.

  10. ‘[…] os republicanos convenceram a maior parte do público de que eles são o partido da plebe e de trabalhadores braçais e os democratas são o partido das executivas alienadas e bem de vida.’ Não é tão simples. Democratas são fortes nas costas do Atlantico (Florida é exceção) e do Pacifico. Trump tem o bordão MAGA, pega mais o miolo do pais. Decadencia ianque é gritante, a migração ilegal traz problemas. A classe média encolheu, as manufaturas migraram para a Asia (dai a anti-globalização).

  11. ‘ E cada link leva a uma página concebida para atrair um grupo e uma identidade distintos:[…]’. Herbert Marcuse fugindo do nazismo acabou lecionando na Universidade de Columbia, na Brandeis, Harvard e Universidade da California em San Diego. Horkheimer refundou o Instituto de Pesquisa Social na Columbia. Adorno também circulou na Ianquelandia. Algum efeito teria que existir.

  12. Noutro dia a DW publicou um video sobre o ‘Movimento de Decrescimento’ em Barcelona. Uma ONG. Os vermelhos vieram com uma malandragem anos atras ‘vamos substituir o crescimento do PIB por outro indice’. Algo como misturar o velocimetro, a temperatura do oleo do motor, o medidor do tanque de gasolina e o conta giro por um indicador só. Para um regime totalitario uma beleza, o ‘numero’ sempre estaria bom. Pois bem, entrevistaram o pessoal da tal ONG. Objetivo deles é obter uma ‘resposta emocional’ das pessoas aos problemas e provocar engajamento. Pulando para a convenção democrata de outro dia, as redes cumpanheras de midia foram entrevistar os participantes. ‘Qual a proposta da Kamala que mais lhe agrada?’. Não sabiam de nenhuma. Nenhuma surpresa, maioria ianque não sabem nem apontar onde fica o Brasil no mapa.

  13. ‘A lógica econômica determina os rumos da política?’ Entre a economia e a politica existem as pessoas. Detalhe pequeno, mas importante. Alas, Slavoj Zizek tem um texto ‘Os dois totalitarismos’. Discute Arendt. Afirma que ‘O stalinismo se autoconcebia como parte da tradição do iluminismo, segundo a qual sendo a verdade acessivel a todo homem racional (sic), não importando quão depravado, todos são responsaveis por seus crimes’. London Review of Books Vol. 27 No. 6 · 17 March 2005. Obviamente os stalinistas se acham racionais e os crimes de stalin são amplamente justificados. Logo o ‘detalhe’ talvez não seja tão pequeno.

  14. Ricupero vem do setor juridico, virou diplomata. Lembrando que Rui Barbosa foi o primeiro ministro da Fazenda da Republica e, seguramente, um dos piores,

  15. ‘Fernand Braudel foi o homem que revolucionou, no século XX, a história econômica. Certa vez, ele disse: “foi no Brasil que me tornei inteligente”.’ Este era um historiador frances. Talvez seja ensinado nas faculdades mais atrasadas. Pelo meio da carreira, majoritariamente em historia, viu o surgimento da aplicação de metodos quantitativos na economia (que rendeu um premio Nobel em 1969). Até mesmo no Brasil hoje em dia teses de doutorado sem ‘equações’ resultam em narizes torcidos. Simplesmente porque no ‘qualitativo’ o papel aceita tudo.

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