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O recado das urnas: a democracia capturada pelo Centrão – por Leonardo da Rocha Botega

Somados, PSD, MDB, PP e União Brasil governarão 54% das prefeituras do País

Passado o primeiro turno das eleições municipais, a principal tarefa do historiador (e dos cientistas políticos) é interpretar o recado dado pelas urnas. Uma tarefa que não é simples, uma vez que a própria dinâmica da História Política brasileira neste tempo presente tem se demonstrado profundamente complexa. Uma complexidade que não pode ser meramente reduzida a um único parâmetro, a “polarização” lulismo x bolsonarismo, como a maior parte da imprensa liberal tem feito. 

Os resultados do primeiro turno das eleições municipais, realizadas no último dia 6 de outubro, indicaram o reforço de um processo iniciado na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 e que tem se tornado cada vez mais forte nas últimas décadas: a captura de nossa democracia pelo chamado “Centrão”, o bloco fisiológico que tem dominado o Congresso Nacional ao longo da Nova República.

Criado com o objetivo de dar sustentação ao então presidente da República, José Sarney, este grupo suprapartidário com perfil de centro e direita não apenas fez parte de todos os governos desde a redemocratização, como também adquiriu forte penetração na maioria dos munícipios brasileiros. Primeiramente, nos chamados “fundões”, os pequenos municípios interioranos. Posteriormente, nos municípios maiores e nas capitais.

O bloco inicialmente foi comandado por líderes do PFL (que mudou para Democratas e agora é parte do União Brasil), do PMDB (atual MDB), do PDS (atual PP) e do PTB (que hoje faz parte do PRD), contando também com parlamentares do PL e do PDC (atual Democracia Cristã). Em 2011, o “Centrão” ganhou o reforço do PSD, liderado por Gilberto Kassab, na época prefeito de São Paulo e, desde então, membro de diferentes governos, de diferentes campos políticos, em diferentes esferas da federação.

O PSD se tornou o grande vencedor deste primeiro turno, elegendo 882 prefeitos. Depois vieram o MDB (856), o PP (748), o União Brasil (585), o PL (512), o Republicanos (436), o PSB (312), o PSDB (273), o PT (248) e o PDT (149), fechando os dez primeiros colocados entre os vinte e quatro partidos que elegeram prefeitos em 6 de outubro. Somados PSD, MDB, PP e União Brasil irão governar 3071 cidades, ou seja, 54% das prefeituras brasileiras. Os quatro principais partidos do “centrão” ainda participarão de 35 dos 52 segundos turnos.

Uma das principais explicações para a forte vitória do “centrão” pode estar relacionada ao controle de boa parte orçamento federal pelos próprios parlamentares com a autonomização do processo de distribuição das emendas orçamentárias. Tal processo, que ganhou destaque com a criação das emendas impositivas, foi potencializado no governo passado com o “orçamento secreto” e adquiriu um maior fôlego com as chamadas “emendas pix”.

As “emendas pix” são recursos classificados como “transferências especiais” feitas diretamente aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, sem a necessidade de celebração de convênios ou outro instrumento jurídico-administrativo que condicione o repasse. De caráter impositivo, são emendas individuais sem qualquer transparência. Se tornaram um grande instrumento de reforço dos deputados e dos poderes políticos locais.

Para ter uma ideia do impacto das “emendas pix” sobre o primeiro turno das eleições municipais, a maior parte das 100 cidades que mais se beneficiaram com esta forma de repasse reelegeram seus prefeitos. Dos 58 candidatos à reeleição nestas cidades, 54 se reelegeram. Nas demais 42 cidades, os atuais prefeitos elegeram 12 correligionários. Isto sem contar as coligações e os apoios. As “emendas pix” foram as verdadeiras “emendas de reeleição”.

O MDB foi o partido com mais prefeitos reeleitos em cidades que receberam “emendas pix”, foram 20 reeleições. União Brasil e PSD reelegeram 13 cada, e o PP reelegeu 10. Os outros dois prefeitos reeleitos foram do Avante e do Republicanos. Isto explica a recente aliança do “Centrão” com o bolsonarismo nos ataques ao STF na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O Ministro do STF, Flávio Dino tem questionado o Congresso sobre a transparência destas emendas.

A disputa entre o “Centrão” e o Supremo Tribunal Federal em torno das “emendas pix” deverá render muitos capítulos no próximo período. Enquanto isso, o bloco fisiologista seguirá chantageando o governo Lula, dominando o Congresso Nacional, criando formas de seguir fortalecendo suas bases eleitorais e barganhando 2026, ou seja, capturando a democracia brasileira. Este foi o grande recado das urnas neste primeiro turno das eleições municipais.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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6 Comentários

  1. Se o dinheiro entra nas contas de uma prefeitura algum tribunal de contas estadual pode fiscalizar. Só que tribunais de contas são aparelhados. E se ‘der ruim’ as camaras de vereadores podem jogar o lixo para debaixo do tapete, afinal, ‘amanha pode ser nós’. Alas, vide eleição em SM.

  2. ‘dominando o Congresso Nacional, criando formas de seguir fortalecendo suas bases eleitorais e barganhando 2026, ou seja, capturando a democracia brasileira.’ Através do voto. Como o PT não faz o que bem entender ‘está errado’ e ‘tem algo escuso’.

  3. ‘ o bloco fisiologista seguirá chantageando o governo Lula, dominando o Congresso Nacional,’. Na época do governo Cavalão não tinha problema nenhum. Mostra como os Comunas estão preocupados com o ‘bem do Brasil’ e com as ‘instituições’.

  4. Comunas colocaram a refundação do Centrão na conta do Eduardo Cunha. Para ninguém ver a eleição de Severino Cavalcanti lá por 2005 para presidente da Camara como ‘culpa’ deles. A rebelião do ‘baixo clero’, etc.

  5. Centrão original é coisa da Constituinte. Depois virou rótulo utilizado por alguns para desqualificar outros. Rotulos criados para evitar debate e análise mais detalhada.

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