Banquete fúnebre (Leichenschmaus) – por José Renato Ferraz da Silveira
Despedidas dos mortos na Alemanha e uma parábola sobre a comunhão
“Assim, durante os últimos 70 mil anos o gênero humano primeiro se espalhou, depois se separou em grupos distintos e por fim se fundiu novamente. Mas o processo de unificação não levou de volta ao início. Quando os diferentes grupos humanos se fundiram na aldeia global do presente, cada um trouxe consigo seu legado único de pensamento, instrumentos e comportamentos, que são coletados e desenvolvidos ao longo do caminho. Nossas despensas modernas agora estão abarrotadas de trigo do Oriente Médio, batatas dos Andes, açúcar da Nova Guiné e café etíope”
Yuval Noah Harari
O Leichenschmaus é um banquete fúnebre que acontece na Alemanha após o sepultamento de um ente querido. O nome significa literalmente “festim do cadáver”.
“A morte de uma pessoa na Alemanha exige um longo ritual, que inclui de dois dias a duas semanas de espera para o enterro, cartões de convite para cerimônia e o ‘banquete do cadáver’ após o sepultamento” (DW).
O Leichenschmaus é uma tradição que reúne os amigos e familiares da pessoa falecida para conversar, dar os pêsames e recordar memórias.
“Na seção de cartões nas lojas, sempre há entre as mensagens de aniversário ou declarações de amor, o Beileidskarte ou Trauerkarte, cartão com imagens cinzas ou uma rosa preta expressando os pêsames pela perda de um ente querido” (DW).
O objetivo é terminar o dia num ambiente reconfortante. A cerimônia de despedida na Alemanha é silenciosa e os choros são contidos. A música de fundo é triste e as pessoas costumam vestir preto.
A “refeição dos amigos” simboliza que a vida deve seguir e as lembranças permanecerem. E a refeição entre todos reforça que os laços permanecem nos momentos felizes e tristes de nossa jornada finita.
Inimigos não se sentam juntos à mesa para uma refeição frugal ou alvissareira
Normalmente, os inimigos não se sentam juntos à mesa para uma refeição. E quando o fazem, nada de “produtivo, benéfico” sai desse encontro.
Em O Poderoso Chefão I (Godfather) (1972), de Francis Ford Coppola, o jovial personagem Michael Corleone (Al Pacino) na cena do restaurante não me deixa mentir.
Em Game of Thrones os banquetes eram recheados de traições sangue e morte como prato principal.
Ao longo da História são inúmeros as histórias reveladoras de banquetes entre convivas mal-intencionados terminando tragicamente. Não é muito comum inimigos partilharem do “mesmo pão” e da “mesma bebida”. São os “falsos amigos” que se unem para alimentar o espírito vingativo contra o adversário.
É interessante que o ato de se alimentar é uma das atividades mais básicas para a nossa existência, portanto, o momento da refeição é visto como “algo sagrado”. É por essa razão que ela é, desde os primórdios da vida humana, um dos símbolos fortes de comunhão. Não é por acaso que, nos Evangelhos, Jesus aparece muitas vezes reunido à mesa para a refeição com os amigos, com os marginalizados de sua sociedade ou até mesmo com pessoas consideradas pecadoras. Não é também coincidência que o sacramento mais profundo que encontramos nas religiões cristãs, a Eucaristia, tenha sido instituído à mesa, em uma ceia. Esse sacramento realiza-se através do alimentar-se, através de uma refeição que fazemos em conjunto e nunca sozinhos.
O Padre Beto afirma – em sua obra Sem medo de Voar – “o comer do mesmo pão” expressa a “Comunhão” entre Deus e o ser humano e a realidade de comunidade (comum-unidade) dos seres humanos entre si”
A palavra comunhão vem do grego coinonia e significa a participação profunda em uma realidade. Na medida que participamos de algo estamos vivendo uma situação de comunhão. Nesta expressão encontramos a palavra “comum”. Assim, começamos a viver com comunhão na medida em que nos conscientizamos do “comum” existente entre nós: natureza, situação ou fé. Ou seja, eu entro em comunhão com outras pessoas quando participo de seus momentos, de seus sentimentos ou compreendo que possuímos a mesma natureza. A Comunhão pode ser vivida em todas as dimensões da vida: na família, na universidade, no bairro, no trabalho, na igreja e principalmente na sociedade.
Por fim, o “último adeus” aos entes queridos e a celebração da vida nas refeições revelam que, paradoxalmente, os ritos de passagem, os rituais tradicionais das sociedades, as celebrações de vida e morte ainda permanecem diante de um “admirável mundo novo” em que os algoritmos de processamento de dados (poder computacional inédito e de base de dados gigantescas) sabem não apenas como você se sente, “como sabem 1 milhão de outras coisas a seu respeito das quais você mal suspeita” (HARARI, 2016, p. 394)
Bom apetite, Alexa!
Referências
DW. As peculiaridades fúnebres na Alemanha. https://www.dw.com/pt-br/as-peculiaridades-f%C3%BAnebres-na-alemanha/a-46530452#:~:text=%C3%89%20uma%20tradi%C3%A7%C3%A3o%20para%20que,Leichenschmaus%2C%20o%20banquete%20do%20cad%C3%A1ver. Acesso em 19/10/2024.
HARARI, Homo Deus: uma breve história do amanhã. Trad. Paulo Geiger. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.
Resumo da opera. Uma melancia e de meia em meia hora um copo d’agua. É a sobremesa.
Yuval Noah Harari é famoso, mas é um picaretão chutador.
O que traz o programa do governo sobre Inteligencia Artificial a memoria. ‘Não é uma corrida de 100 metros’. Propaganda. A idéia de IA da população é o ChatGPT e similares. Modelos de linguagem de grande escala (LLMs). O que se ve la fora? Empresas utilizando modelos de IA especificos. Industria quimica utilizando para gerar novos polimeros (plastico no jargão popular) para utilização na industria aeroespacial. Grandes farmaceuticas com IAs treinadas especificamente em bioquimica e fisiologia para desenvolver novos remedios. O mesmo se repete na fisica, na quimica, na biologia. No direito modelos especificos com legislação e jurisprudencia. Por isto não é uma ‘maratona’. Quando o pais chegar onde as grandes empresas estão hoje elas estarão muito na frente em varias areas. O atraso continua. Como resolver? Não sei, com marketing não se resolve.
Redes sociais não é coisa da internet. Já havia estudos na década de 30 do século passado.
Teoria não é de graça, establishmente perdeu o controle do fluxo de informações e quer recuperar. ‘Regulamentar’ as redes sociais, o que também deve render mais arrecadação tributária.
Teoria da conspiração prospera porque as pessoas querem se achar ‘especiais’. Conceito de meta-informação, estatistica, etc. não importa. Grande verdade é que a maioria é um bando de manes insignificantes, ninguém quer ‘espioná-las’.
E o telefone? Temos a tendencia de repetir conversas/assuntos com outras pessoas. Também temos, inconscientemente, o habito de acessar a rede nos mesmos lugares, seja em casa ou no trabalho. Dai alguém comenta que quer comprar um Maverick antigo. Comenta aqui, comenta lá. Alguém, não necessariamente o interessado, procura o produto na rede e o preço. Curiosidade, até pode ser. O ‘algoritmo’ (na falta de melhor palavra) começa a jogar anuncios nas redes acessadas pelo interessado anuncios de carros.
Anos atras assisti um podcast (o do Rogan) onde um dos primeiros ‘programadores’ do FB era o convidado. Uma das questões era a do microfone, alguém falando num assunto qualquer, o que provocaria surgimento de anuncios em celulares de alguém envolvido. O sujeito riu. Primeiro porque não existe capacidade de processamento para ficar bisbilhotando todo mundo (hoje são quase 6 bilhões de usuarios de internet no planeta). Segundo não existe capacidade de armazenamento para tanta informação. Terceiro, o mais importante, nem toda conversa tem valor comercial, seria muito ineficiente.
Titulo deveria ser: como usar antropologia para encher linguiça.