Reduzir a jornada é um bom caminho para o Brasil – por Valdeci Oliveira
“Pauta ganha força hoje, mas há décadas é reivindicada pelos trabalhadores”
O fim da escala de trabalho no formato 6×1, ou seja, a cada seis dias de trabalho a pessoa tem direito a um de descanso, ganhou as redes sociais, as ruas (ainda não no sentido de mobilização, o que espero que aconteça, mas de conversas e debates) e os corredores da Câmara e Senado Federais. Proposta pela deputada federal Érika Hilton (PSOL/SP), a partir da pauta do movimento VAT – Vidas Além do Trabalho -, ela busca colocar em debate público a necessidade dos seres humanos terem tempo para si próprios, à família, se dedicarem a outras tarefas do dia a dia também necessárias e não serem submetidos a um modelo laboral que leva à exaustão, onde apenas um lado sai ganhando. E não é aquele que dedica, entre jornada, intervalo e deslocamento, cerca de 12 horas por dia – ou metade da sua vida – por salários baixos e condições distantes das ideais.
O interessante nesse debate é que sempre que alguma proposta vem ao encontro dos anseios, necessidades e direitos da população não faltam vozes assegurando que o resultado será o fim dos tempos na economia, a quebradeira geral de empresas e o aumento do chamado custo Brasil, o que inviabilizaria nossa competitividade frente a outros países (como se o responsável por isso não fosse o processo de desindustrialização pelo qual passamos nos últimos anos e a carência tecnológica).
Nesses tempos de redes sociais, viralizou uma agora famosa capa do jornal O Globo, de abril de 1962, cuja manchete principal, em letras garrafais, trazia como mensagem a apocalíptica previsão: “Considerado desastroso para o país um 13º mês de salário”. Reivindicação que remontava à década de 1920, quando aparecia em greves das mais diferentes categorias, sua conquista não aconteceu sem muita luta, paralisações e prisões de sindicalistas e grevistas. E não quebrou o país, muito pelo contrário, injetou considerável soma de dinheiro na economia.
No fim das contas, quem lucrou mesmo com esse consumo extra proporcionado por um salário a mais no final do ano, também chamado de “gratificação natalina”, foi a iniciativa privada, cujos maiores líderes, sempre contrários à proposta e encastelados na direção da Fiesp e em outras entidades de classe patronal, viram suas vendas crescerem.
É importante sempre ter em mente que as mesmas vozes, sejam elas representadas por CPFs ou CNPJs, hoje contrárias a até mesmo discutir alternativas ao modelo 6×1 ou formas mais humanizadas ao que temos hoje no mundo do trabalho, foram as mesmas que defenderam, com unhas e dentes, duas “reformas” que custaram muito caro à classe trabalhadora: a Trabalhista e a da Previdência.
Levadas a cabo pelos governos Temer e Bolsonaro, e sabidamente redigidas por escritórios pagos a peso de ouro pelos “donos” do PIB, retiraram direitos dos trabalhadores com a promessa da modernização das relações de trabalho, geração de emprego (falaram em 6 milhões de postos novos no primeiro caso e 10 milhões no segundo) e aposentadoria digna atrelada ao controle dos gastos públicos.
Só que nada disso aconteceu, com exceção da precarização das ocupações e queda nos ganhos dos assalariados. Só isso deveria ser mais do que o suficiente para a imensa maioria da população brasileira, que mesmo sem saber foi afetada negativamente por essas duas medidas, entrasse de corpo e alma em defesa da PEC de Érika Hilton.
É importante ter sempre em mente que, não fosse a institucionalização do salário mínimo em 1940, por Getúlio Vargas, teríamos hoje muita gente recebendo menos de R$ 1,4 mil por mês trabalhado. Ou alguém duvida? E mesmo assim, a elite econômica e seus representantes no Legislativo nacional tensionaram contra, da mesma forma em relação à CLT, licença maternidade e férias remuneradas conforme temos hoje.
Para as vozes contrárias, o estado não deve interferir na relação entre patrão e trabalhador, deixando que um acordo entre ambos estabeleça as regras a serem cumpridas, como se a correlação de forças fosse equivalente entre os dois lados e ambos estivessem nas mesmas condições para negociar.
E quando se discute cortes no orçamento federal para cumprir as regras impostas pelo arcabouço fiscal, esse mesmo setor defende que a tesoura seja passada nos benefícios previdenciários, no auxílio aos pobres via BPC, na saúde e na educação públicas, mas não nas isenções fiscais degustadas pelo andar de cima e que fazem com que os cofres públicos deixem de receber centenas de bilhões de reais por ano.
Experiências de redução da jornada sem diminuição de salário estão sendo feitas em diversos países e com resultados positivos para a economia dos mesmos. Mas diferente deles, por aqui parece que estamos a defender um sacrilégio.
Trabalho precisa trazer junto dignidade. Reduzir a jornada sem diminuir os ganhos é uma pauta que ganha muita força hoje, mas que há décadas é defendida e reivindicada pela classe trabalhadora brasileira e pelo PT em especial. E eu estou – como sempre estive – ao lado dessa luta para o que der e vier.
(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria.
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