Acupuntura diplomática – por José Renato Ferraz da Silveira e João Pedro Bandeira Soares
EUA, Brasil, China e custos reais de uma guerra comercial: quem paga a conta?
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“A reação da China é como se fosse, nos termos de Evandro Menezes de Carvalho, uma ‘acupuntura diplomática’: uma estratégia que busca provocar uma dor calculada nos EUA, suficiente para ser sentida pelo governo Trump, mas sem escalar para um conflito maior.” Carolina Nalin
A erosão sistêmica do multilateralismo e o bloqueio da OMC
O conflito comercial entre EUA e China é resultado de uma estratégia de longo prazo. Durante seu primeiro mandato, Donald Trump minou a estrutura da Organização Mundial do Comércio (OMC), especialmente ao impedir a recomposição do Órgão de Apelação, responsável por resolver disputas entre países. Sem juízes suficientes, o sistema de solução de controvérsias entrou em colapso, permitindo que os EUA adotassem medidas unilaterais, como as tarifas contra a China, sem enfrentar contrapesos eficazes. Essa postura, alinhada ao lema “America First”, criou um vácuo institucional que a China aproveita para retaliar de forma pontual – como no caso das tarifas sobre carvão e petróleo -, mantendo-se dentro dos limites do sistema multilateral, do qual ainda depende para seus interesses globais.
Imposição de tarifas
De acordo com o jornal Folha de São Paulo (5 de fevereiro p.p), a China anunciou que vai impor tarifas sobre importações dos Estados Unidos em resposta ao presidente norte-americano, Donald Trump, e à sua taxa adicional de 10% sobre produtos chineses, em vigor desde o dia 4 de janeiro, renovando a guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo.
Pequim afirma que a partir do dia 10 cobrará 15% de tarifa sobre carvão e gás natural e 10% sobre petróleo, maquinário agrícola e outros produtos. A nova taxa de Trump soma-se às impostas no primeiro mandato. Produtos chineses já enfrentam tarifas de 10% e 25% para chegar ao mercado americano.
Os custo reais da Guerra Comercial: quem paga a conta?
Estudos independentes, como os do Tax Foundation, indicam que as tarifas impostas pelos EUA desde 2018 resultaram em um custo adicional de mais de US$ 80 bilhões para importadores e consumidores americanos. A nova rodada de taxas de 10% sobre produtos chineses tende a ampliar a pressão inflacionária, especialmente em setores estratégicos como energia e agricultura. Do lado chinês, a retaliação sobre commodities pode desestabilizar cadeias produtivas globais, já tensionadas por crises recentes. O maior risco, contudo, é a fragmentação da economia global: com países formando blocos comerciais rivais, a Organização Mundial do Comércio projeta que o PIB mundial pode cair até 1,5% até 2025 se o protecionismo persistir.
Discussão sino-americana
Evidente que a China quer “discutir” com os Estados Unidos. O ex- conselheiro econômico, Wang Huiyao, do Conselho de Estado, o ministério chinês, afirmou que se houver atrito entre Estados Unidos e China, “nós certamente compraremos mais do Brasil e da América Latina. Com tarifas sobre outros países, (os Estados Unidos vão) empurrá-los para o comércio entre eles mesmos”.
Brasil entre as trincheiras: oportunidade ou armadilha?
Analistas indicam que num cenário sobre eventual favorecimento do Brasil e da América Latina, que poderiam substituir os Estados Unidos em exportações agrícolas à China, “a experiência da guerra comercial anterior indicaria que não”.
Embora analistas duvidam que o Brasil e a América Latina possam substituir os EUA como fornecedores agrícolas da China, dados da Amcham revelam um cenário paradoxal: em 2024, o Brasil bateu recorde de exportações para os EUA, impulsionado por commodities como minério de ferro. Isso sugere que o país não está simplesmente substituindo um polo por outro, mas se adaptando a uma reconfiguração geoeconômica. A China pode aumentar suas importações de soja e carne brasileiras, mas os EUA seguem como parceiro comercial relevante, especialmente em tecnologia. O risco, porém, é que o Brasil se torne refém dessa dualidade: ganhos imediatos com a demanda chinesa podem mascarar uma dependência perigosa de duas potências em conflito, como evidenciado durante os gargalos logísticos da pandemia.
O futuro incerto: entre a recomposição e o caos
De qualquer forma, a nova guerra que se avizinha, ainda está nos seus primórdios. O risco é de uma guerra aberta (comercial) que fará a economia global desacelerar, inclusive a brasileira. Como diz o editorial do Estadão, “Trump bagunça o cenário das relações internacionais (…) ela não tornará a América Grande de novo, só tornará o mundo mais pobre e perigoso”.
A guerra comercial reflete uma crise mais profunda na ordem internacional. A paralisia da OMC e o avanço do nacionalismo econômico indicam uma tendência à fragmentação em blocos regionais. Para o Brasil, isso exige pragmatismo: enquanto os EUA mantêm tarifas herdadas da era Trump, a China expande sua influência via iniciativas como o BRICS+. Como destacou o editorial do Estadão, o abandono do multilateralismo não tornará os EUA “grandes novamente”, mas aprofundará desigualdades e riscos globais. A lição para o Brasil é clara: em um mundo polarizado, diversificar parceiros e fortalecer acordos regionais é essencial para evitar colapsos diante de choques como os gerados por essa “acupuntura diplomática”.
Referências.
FOLHA DE SÃO PAULO. Pequim ainda quer conversar com Estados Unidos, mas comprará mais do Brasil, diz analista chinês. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/02/pequim-ainda-quer-conversar-com-eua-diz-analista-chines-mas-comprara-mais-do-brasil.shtml. Acesso em: 05 de fevereiro de 2025.
PORTAL DA INDÚSTRIA. OMC faz 13ª Conferência Ministerial: entenda os 5 pontos principais. Portal da Indústria, fev. 2024. Disponível em: https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/internacional/omc-faz-13a-conferencia-ministerial-entenda-os-5-pontos-principais/. Acesso em: 06 de fevereiro de 2025
Artigo sobre os impactos da guerra comercial (Tax Foundation)
YORK, Erica. The Impact of the Trump Tariffs and the Trade War. Tax Foundation, 1 set. 2022. Disponível em: https://taxfoundation.org/research/all/federal/trump-tariffs-trade-war/. Acesso em: 06 de fevereiro de 2025
Artigo sobre o recorde de exportações do Brasil para os EUA (CNN Brasil)
CNN BRASIL. Brasil bate recorde histórico de exportações para os EUA em 2024, aponta Amcham. CNN Brasil, 14 maio 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/brasil-bate-recorde-historico-de-exportacoes-para-os-eua-em-2024-aponta-amcham/. Acesso em: 06 de fevereiro de 2025
(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Colunista do Diário de Santa Maria. Participou por cinco anos do Programa Sala de Debate, da rádio CDN, do Diário de Santa Maria. Contribuições ao jornal O Globo, Sputnik Brasil, Rádio Aparecida, Jornal da Cidade, RTP Portugal. Editor chefe da Revista InterAção – Revista de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (ISSN 2357- 7975) Qualis A-2. Editor Associado da Scientific Journal Index. Também é líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP).
João Pedro Bandeira Soares é graduando em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Membro do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP).
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