OcupAÇÃO – por Vitor Hugo do Amaral Ferreira
Sem demagogia, há diversas motivações e entremeios no que se convencionou chamarmos de ocupação da reitoria. Não faço juízo e valor a nenhuma delas. Por certo, todas encontram pontos de equilíbrio e razões que lhe garantem a legitimidade para o manifesto.
Faço sim, o registro de que: 1) notável é o movimento estudantil que se ocupa de pensar a educação; 2) louvável é o movimento estudantil que se ocupa de lutar por igualdade e melhores condições; 3) triste é ver a educação não se pré(ocupar) com os dilemas que vive; e 4) vergonhoso é nos ocuparmos da inércia de quem deixou de fazer algo diante da função que ocupa.
Ainda creio que os motivos que fazem jovens acampar-se e organizar-se por melhores condições são justos, quando, lamentavelmente, faltam-lhes professores, são carentes de salas e laboratórios de aula, são vítimas do investimento mínimo, arcam com corte de verbas, sujeitam-se à expansão sem qualidade…
O ensino por si só não faz parte de um sistema fechado, isolado. Já me ocupei em parafrasear Edgar Morin, e volto a fazer, pois conhecer o humano é situá-lo no universo, contemplando a ideia de que o conhecimento deve contextualizar seu objeto. Assim, “Quem somos?” é inseparável de “Onde estamos?”, “De onde viemos?” e “Para onde vamos?”.
Acredito ser este o norte que tenhamos que tomar ao avaliarmos o importante momento em que vive a Universidade Federal de Santa Maria. Em que pese, salvo tamanho engano, as universidades não são apenas espaço de professores, direções e coordenações, são em sua essência dos estudantes que a fazem existir; são da sociedade, para qual tenho a certeza, a quem devem servir.
Por isso, faço em texto, a redundância que devemos nos ocupar da ocupação, a favor ou contra, o debate é mais do que a permanência ou não dos estudantes no hall do Prédio da Reitoria. Debate-se o serviço público de educação, garantido constitucionalmente. Não nos basta simplesmente presta-lo, é necessário qualifica-lo.
A sociedade que, por vezes, ocupa-se de não se ocupar das suas mazelas também é prejudicada. A sociedade passa a ser conivente aos descasos com a prestação do serviço público. Professores, funcionários, sociedade deveriam se ocupar da ocupação. Os cidadãos poderiam ocupar-se de Câmaras, Congressos, Hospitais…
Por meio da educação, Eduardo Bittar diz que se envolvem todos os processos culturais, sociais, éticos, familiares, religiosos, ideológicos e políticos que somam para a formação e o desenvolvimento das potencialidades humanas.
Nesse sentido, as práticas que caracterizam a formação acadêmica, que irão preconizar as ações do egresso são desenvolvidas ao longo de sua trajetória, diante de vivências e experiências, principalmente, pessoais. Porém, é na academia que ocorre a construção basilar de uma formação profissional.
Contemplou Edgar Morin que a educação deve promover a “inteligência geral”, favorecendo a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais. Pergunto: estamos aptos a tanto?
O ensino exige a compreensão de que a educação é uma forma de intervenção no mundo. Disse-nos Paulo Freire: a mudança do mundo implica na dialética entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação. O caminho para a inserção requer uma decisão, uma escolha, e por consequência, há a intervenção na realidade. Eis no que se ocupam!
Não vou adentrar ao assunto, do marco que vitimizou, o até então vitimizador EUA, mas 11 de setembro simboliza também outras datas importantes, entre elas a morte de Salvador Allende, líder chileno defensor da democracia representativa, que eternizou a frase: La historia los juzgará.
Hoje, a mesma data antecede um momento histórico na UFSM, em que os Conselhos Superiores se reunirão unificadamente pela primeira vez na Universidade. Novos tempos, velhas causas, atualmente mobilizadas em redes sociais, em que #OcupaçãoReitoriaUFSM é convocação à causa, é lema de uma bandeira de quem ocupa, em ação, os espaços desprovidos de atenção.
Deixamos a história julgar os fatos da contemporaneidade. Quem sabe, ainda que eu me arrisque a acreditar em ideais, as grandes conquistas se deram pelo apelo e movimentos sociais. Aos estudantes e grupos que lideram o manifesto aqui a minha dica: o patrimônio é público, o cuidado é nosso, a vez é de vocês, as conquistas são para todos. A causa é justa, promovam juntos um levante popular apto a reconquistar os estudantes, a união da juventude, sejam fortes e das barricadas façam novos caminhos. Felicidades!
Referências:
BITTAR, Eduardo C. B.. A justiça em Aristóteles. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. FREIRE, Ana Maria Araújo (org.) .São Paulo: UNESP, 2003.
_______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 28 ed. SãoPaulo: Paz e Terra, 2003.
MORIN, Edgar. Os Sete saberes necessários à educação do futuro. 6. ed. Tradução: Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; UNESCO, 2002.
Sábias palavras.
Essa é a essência do movimento estudantil: manifestações pacíficas, mas com representatividade forte e propostas concretas. A causa é justa, e a luta, necessária.
Quem dera mais professores universitários compartilhassem a perspectiva que tu explicitaste, Vitor. Parabéns por mais um texto que é exemplo de lucidez, clareza e racionalidade. E parabéns aos estudantes que organizaram, participaram e que estão apoiando a ocupação.