Um kichute, os paralelepípedos da Olavo Bilac e o Tarciso na ponta direita – por Luiz Alberto Cassol
Fim de ano. Época de lembrar. Vou nessa: Santa Maria. Rio Grande do Sul. Brasil. Século XX. Início da década de oitenta. Esquina das ruas Serafim Valandro e Olavo Bilac. Final de tarde. Um menino faz a curva da Valandro em direção à Bilac. Vislumbra no meio da rua de paralelepípedos uma turma de meninos chutando a bola de couro número 5. Pronto. Termina o aquecimento. Vai começar mais um decisiva partida de futebol.
“Chego correndo. A adrenalina toma conta. Paro para amarrar meu kichute. Estou no meio de um gramado com um estádio lotado. É um momento mágico. Amarro o kichute na canela. Dou duas voltas e um tope bem firme. Podemos começar. Posso driblar. Posso cruzar. Posso fazer gols. Dividimos os times e lá estamos todos disputando cada lance. Lances de uma final de campeonato.”
Lembro de ganhar o tênis kichute de Natal e da emoção de tirá-lo da caixa. Kichute comprado pelo pai e pela mãe nas Casas Eny. O cheiro da borracha. A projeção de partidas históricas que eu faria nos próximos meses nos parelelepípedos da Olavo Bilac. Era o local em que se travavam as grandes batalhas. Gols inesquecíveis. Lances de tirar o fôlego. Era ali, quase em frente à fábrica de roupas das lojas Paraíso Infantil. Uma goleira em cada calçada, marcadas com camisetas. A gurizada correndo enlouquecida para lá e para cá, só interrompidos quando algum carro passava.
Eu jogava com a camiseta 7 do Grêmio. Ali eu era o Tarciso, ponta direita. Ali nas arrancadas velozes eu era o Flecha Negra. Driblava. Corria. Chutava. E fazia gols históricos. Sim, claro, para mim eram marcantes. Regozijo pleno. Gols que me lembravam a histórica equipe tricolor de 1977. Aquela do melhor ataque do mundo: Tarciso, André Catimba e Éder. Que lances aqueles do gramado de paralelepípedos da Olavo Bilac. Lances divididos com tantos amigos daquela época. Jogos memoráveis que só a infância e a pré-adolescência permitem existir.
Encerro lembrando de um gol: “Eu posso cruzar para o André Catimba. Quem sabe tento o Éder que surge pela ponta esquerda. Que nada. Fuzilo o goleiro adversário. Bola no ângulo direito. Indefensável. Gooooooooooooooool. Saio correndo e berrando. Os companheiros gritando junto. Os contrários inquietos. Vibro com o estádio lotado.” Eu era o Tarciso e não me interessava se o ângulo em questão tinha sido a janela da casa atrás da goleira. Interessava ter marcado aquele golaço. Golaço de craque. Que momento. Vez por outra abro a gaveta da memória para reencontrá-lo. Em finais de ano ele vêm somado com algumas lágrimas. Nada demais se comparado ao golaço do Tarciso no final da tarde, quase noite, nos paralelepípedos da Olavo Bilac.
Ótima cronica Luiz Aberto . Um kichute novo e aquele ataque ( Tarcisio, Andre e Eder) era o que todos nós queriamos. Abraços.
Cassol, só se tu era uma versão com “síndrome de Michael Jackson” do Tarcísio…