A turnê de despedida de uma banda de jazz – por Márcio Grings
Como estamos em época de Feira do Livro em Santa Maria, segue uma indicação aos barbados ligados em quadrinhos. A série em HQ “Bourbon Street” (ou graphic novel como chamam os americanos as publicações do gênero para adultos), conta a história de Alvin, um veterano guitarrista de Nova Orleans que, desgostoso por nunca ter alcançado a fama com sua banda de jazz e swing, empolga-se com o sucesso comercial do grupo cubano Buena Vista Social Clube. Alvin decide, então, remover seus antigos parceiros musicais do ostracismo e partir em busca de Cornelius, exímio e insubstituível trompetista, desaparecido há meio século. Para isso, conta com a ajuda do fantasma de Louis Armstrong, um dos maiores nomes de todos os tempos do cortado jazzístico.
O primeiro volume da série, “O fantasma de Cornelius”, foi publicado pela editora gaúcha 8Inverso em 2012. A publicação foi assinada pelos artistas franceses Phillipe Charlot (roteiro) e Alexis Chabert (desenhos), esse último com diversas criações e participações no gênero.
Na segunda parte da história, “Turnê de despedida” (recentemente publicada pela mesma 8Inverso), somos novamente levados por Louis Armstrong a acompanhar as dificuldades enfrentadas pela banda – agora em turnê por bares e casas noturnas decadentes, com uma fraca recepção do público, além de hotéis baratos e do consumo de bebidas e remédios que ajudam o velho trompetista Cornelius a esquecer o amor perdido. Em tom nostálgico e traço realista, “Turnê de Despedida”, aprofunda-se nos personagens e nas suas relações, delineadas pelo fracasso do sonho e pelo amor a música.
Acabo de ler o livro, coloquei um disco na vitrola e devorei suas páginas em pouco mais de meia hora. Não encare esse HQ como um livrinho qualquer, longe disso, e digo mais: – a viagem a que somos transportados pode ser comparada à sensação de assistir a um filmaço de jazz na grande tela, com direito a melhor trilha sonora que se possa imaginar. Pra começar, a trama é comovente, com parte da história sendo revelada em flashback – embebida na lembrança de um romance interracial [velado] entre Cornélius (um músico negro) e Angelina (a bela vocalista branca), que acena para a memória da época de ouro das bandas de jazz.
Em outro viés, os tempos atuais são marcados pelas lembranças do passado, pela fragmentação do tempo, camaradagem de velhos companheiros e a completa ausência de interação entre a banda e o público que a assiste. Muitas vezes dá pena dos caras. A truculência dos empresários, a falta de tato dos donos das casas noturnas e o preconceito racial, além, claro, do amor pelo jazz, são temas presentes em “Bourbon Street – Turnê de despedida”, uma daquelas publicações raras no mercado nacional, e por isso, precisam ser celebradas.
Se nossos heróis não passam de uma trupe decadente e cansada de remar contra a maré, sua insistência em continuar seguindo em frente nos serve como lição. Sempre há uma luz brilhando logo à frente, mesmo que esse lume esteja fadado a brilhar por apenas poucos instantes. Quem disse que o mundo é um lugar justo de passar nossa existência?
All that jazz!
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