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Me gustan los estudiantes (*) – por Atílio Alencar

atílioQuando ingressei na faculdade de História, no primeiro ano do século XXI, eu não sabia bem o que estava fazendo. Tinha me deixado convencer por uma namorada que, à época, não falava n’outra coisa que não fosse a Revolução Russa. Não que ela fosse uma socialista engajada, dada a recitar os feitos do exército vermelho e dos sovietes vitoriosos em contraste com a decadência da sociedade burguesa. Mas nutria um encanto, pueril e sincero, por certos aspectos do levante popular que estabeleceu o primeiro regime socialista do mundo.

E eu me deixei contagiar por aquelas epifanias que a adolescência tardia fertilizava. Com o tempo a favor dos meus vinte e poucos anos, resolvi encarar o vestibular para a federal de Santa Maria. Passei, não sei bem como. E logo me deparei com a fauna típica de uma faculdade de História: professores progressistas a debater com os professores conservadores, estudantes revolucionários a denunciar os pelegos, Marx e o mundo dos sólidos que se desmancham no ar.

Fui tragado pelo vórtice dos livros, das ideias perigosas, dos dedos em riste, das convicções, da práxis. Tomei lado, fui à luta, comecei a dar aulas num cursinho pré-vestibular popular organizado pelos alunos (o Práxis, que segue firme até hoje). Vivi com intensidade aquilo que os cínicos desdenham como uma primavera passageira da mocidade: o sonho de mudar o mundo, que é enorme e mínimo ao mesmo tempo (naquele tempo tinha o tamanho de um quartinho enfumaçado da casa do estudante).

Amamos uns aos outros e combatemos Golias com a gana exemplar dos guerrilheiros.

Talvez nesse ponto da minha narrativa eu devesse reconhecer a derrota, ou ao menos justificar minha desistência pela chegada da maturidade. Aqui, quem sabe, caberia uma conjunção que me levaria ao conforto da resignação. Bom, que eu tenha envelhecido em idade é uma fatalidade da qual não pude escapar. Mas fico feliz em desconcertar a mim mesmo, às minhas dúvidas e contradições. Aos meus medos, que são sempre os inimigos mais traiçoeiros, gosto de esfregar-lhes um pouco da juventude que trago ainda.

Quando reencontro tanta gente da época de faculdade, encontro com eles/elas correspondência em muitos pontos. Muitos de nós tivemos que fazer concessões – e quem não as faz? – àquilo que não víamos como aceitável no passado: trabalhar num emprego convencional para manter uma casa, filhos, a sobrevivência. Trocar a força do corpo e do pensamento pelo vil metal. Adequar um pouco o visual para não chocar os possíveis empregadores. Ler aquele autor tão execrado que, agora reconhecemos, dizia algumas verdades valiosas em língua que não entendíamos.

Dia desses ainda conversei com um ex-colega, e ele me contava do quanto é cobrado para que “assuma a idade que tem”. Ou seja: ele, que está na casa dos 40, deveria mudar os hábitos, fazer a barba, vestir-se com mais cuidado. Agir, enfim, conforme o lugar que lhe cabe na sociedade. E, principalmente, não seguir falando e acreditando nas coisas que fala e nas quais acredita – ainda muito parecidas com as coisas que sonhava aos vinte anos.

Como se desejar ou expressar juventude depois de certa idade fosse uma doença. Ou motivo de vergonha, um sinal de fracasso ou inadequação.

Bem. Certa razão há de ter quem acha graça nos que se recusam a envelhecer. Mas eu, a despeito de todos os erros, descaminhos, contradições, prefiro andar junto dos que aspiram uma juventude atemporal. Não para frear o fluxo do tempo; mas para conduzi-lo, a muitas mãos, rumo a outros lugares, onde ainda não erramos. Permanecer jovem a ponto de olhar uma coisa pela primeira vez e se reconhecer ignorante, mas acima de tudo desafiado. Sem compromisso com vitórias ou derrotas – mas com a mudança do próprio jogo, em suas regras injustas.

Se isso é motivo de piada para alguém, que seja. Como já dizia o velho poeta anarquista, “amadurecer é estar perto de apodrecer”. E mesmo sendo ateu, rezo a deus todas as manhãs para que não me deixe abandonar meus sonhos em troca de um lugar à mesa com os donos da festa.

(*) Escrito ao som de Violeta Parra e com o auxílio luxuoso de una botella de vino.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta nota é uma reprodução obtida na internet.

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