“Santa Maria do Bem: cuide de sua cidade. Seja do bem” – por Liliana de Oliveira
Sábado pela manhã tomo meu café e abro o jornal, qual não é a minha surpresa ao ler a notícia de que os camelôs do Shopping Independência da cidade de Santa Maria estavam incomodados com a venda ilegal de produtos feita pelos índios no centro da cidade. Os camelôs alegam que os índios não pagam impostos e que isso os prejudicaria. Leio de novo, talvez tenha me enganado e lido apressadamente.
Entendo que o município tem que encontrar saída para (des)regular o comércio informal, entendo que o comércio informal prejudica o comércio formal, mas não entendo como uma categoria que sempre ouviu isso como argumento para inviabilizar seu trabalho use o mesmo argumento para atacar os índios. Minha questão aqui não é a defesa da venda ilegal de produtos por parte dos índios, minha questão é tentar compreender como aquilo que não serve para mim pode servir ao outro. Minha questão é tentar compreender como uma categoria que compra e vende produtos ilegais e que até há pouco tempo os vendia na rua pode se opor aos outros que hoje fazem aquilo que eles faziam no passado.
Fico lembrando dos camelôs na Avenida Rio Branco embaixo de tendas feitas de lonas vendendo seus produtos ilegais e a luta dos empresários da cidade para dar fim a eles. Lembro da campanha do atual prefeito da cidade que defendia tirá-los da rua e da resistência de muitos deles a irem trabalhar no Shopping Independência. Tudo isso ficou para trás. Mas não teria chegado a hora de pensarmos num projeto coletivo de cidade ou sociedade? Será que uma cidade do bem é aquela que tem muros limpos sem pichações? Será que uma cidade do bem não teria que pensar num projeto de cidade que inclua os excluídos e que dê condições dignas de trabalho aos moradores de rua, aos catadores, aos índios, aos camelôs? Por que em vez de nos unirmos, nos afastamos em defesa dos nossos interesses pessoais?
Sinto que minha esperança num projeto de esquerda que construa um projeto coletivo em prol do bem comum ruiu. Ruiu quando garantiu apenas uma melhoria de vida das condições econômicas das pessoas, fazendo com que essas pessoas passassem a consumir. Colocou mais pessoas no jogo econômico, mais pessoas a consumir. Mais consumo, menos projeto. Mais consumo, menos ética. Mais desagregação, menos agregação. Mais pessoas, menos coletivos.
Fazer de Santa Maria uma cidade do bem significa cuidar da cidade e cuidar da cidade não significa ter casas, muros e prédios não pichados, significa cuidar de nós mesmos recuperando o espírito coletivo.
Olá, Brando!
Enquanto cada um de nós continuarmos pensando somente em si dificilmente construiremos uma sociedade melhor. É preciso pensar coletivamente num projeto mais amplo. Tivemos inúmeros exemplos de cidades que se reinventaram e por meio de consultas populares ouviram a comunidade e deram conta de problemas estruturais sérios. Sempre penso num projeto que inclua os não incluídos não de modo autoritário, pois não são alguns que dirão aos demais como fazer ou agir. Mas acredito na consulta popular, na escuta da comunidade. Incluir os não incluídos não significa obriga-los a fazer aquilo que não querem, mas oferecer condições mais dignas e criar novas possibilidades e alternativas. O projeto de esquerda nasceu de uma preocupação coletiva, entretanto se perdeu a medida que fez como a direita e privilegiou as leis de mercado e o individualismo. Sigamos pensando!
Tiraram os camelôs da Rio Branco com um argumento e para os índios este argumento parece que não vale. Fica parecendo privilégio, lei não vale para todos. Enquanto era só artesanato "nativo" problemas não havia. Só que agora é um artesanato mais hippie do que indígena, chapéus e echarpes de origem desconhecida. Muitos camelôs, se pudessem, voltariam para a Rio Branco e, se soubessem o que sabem hoje naquela época, provavelmente nunca teriam saído.
Mais ou menos o que acontece com imigrantes. Periferia das cidades cheia de gente invisível com uma série de problemas. Chegam pessoas de fora e recebem um lugar para ficar, comida, roupa e emprego (se isto não acontece destino é informalidade e/ou crime). Xenofobia ou alguém "furou a fila"?
Projeto coletivo em "prol do bem comum" ruiu porque não tem como não ser autoritário. Requer um consenso que dificilmente será atingido. Quem define o que é "bem comum"? Existem moradores de rua que não querem sair da rua, catadores de lixo que não querem ir para uma cooperativa… Fazer o quê, "reeducá-los"?
Precisa de mais, de uma sociedade "planejada". Alguém sentar numa sala e achar que vai "pensar" o mundo é um tanto quanto otimista, para não dizer arrogante.
Já o "projeto de esquerda" tupiniquim ruiu porque criou uma nomenklatura como todo projeto de esquerda cria. Muita corrupção, idem. Políticas econômicas "como o mundo deve ser". Estado onipresente e incompetente.
Espírito coletivo? Se havia algum, morreu na década de 70.