Artigos

A luta de Eros e Thanatus: três anos da tragédia da Kiss – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa

Retirando as diferentes vertentes da metafísica religiosa, a única certeza que o ser humano tem, com o advento de seu nascimento, é a finitude, ou seja, a infalibilidade da existência da morte. Na mitologia grega, Cronos, o senhor do tempo, é que vai definir o marco cronológico de nossa travessia pelo espaço existencial. Ciente da implacabilidade do tempo cabe a nós, que tivemos o privilégio biológico de vencer a primeira luta pela vida, conduzirmos o nosso cotidiano de tal forma que sejamos capazes de termos longevidade e qualidade de vida.

Desde o momento de nossa concepção trava-se uma inglória batalha entre Eros e Thanatus. O deus do amor, Eros, com sua generosidade e suas gigantescas asas brancas nos conduz para o caminho de uma vida vivida com base no amor pelo nosso ser e o ser do outro. Em contrapartida, Thanatus, com seu coração de ferro e entranhas de bronze, representando a frieza diante do existir, em forma de uma nuvem prateada vive a espreita do humano para fazer nos sucumbir diante da morte.

Utilizei essa introdução, fazendo uso da mitologia, para lembrar que dia 27 de janeiro de 2016 completa três anos a instalação do mais trágico registro psicanalítico que se abateu sobre nosso inconsciente individual e coletivo, em Santa Maria e no mundo, quando foram ceifadas 242 tenras vidas no fatídico incêndio da Boate Kiss.

Naquela noite Thanatus tomou conta da vida de nossa cidade e produziu ferimentos profundos em nossas almas e sofreguidão em nossos frágeis corpos. No contexto da UFSM perdemos centenas de amados alunos e a comoção foi generalizada, como foi, também, a nossa consciência de impotência diante do trágico fato.

A nossa tradição cristã medieválica provocou um sentimento de culpabilidade coletiva, nunca visto em nossa história. Todas as pessoas que de uma maneira ou de outra tinham uma relação com o fato, e, diga-se de passagem, poucos de nós não a tinha, fazia uma reflexão constante de como poderia ter feito alguma coisa para um colega, um amigo, aluno ou parente para que fosse evitada a perda e consumado a dor.

A irresponsabilidade do poder público que existe para cuidar de seus cidadãos e a ganância capitalista de ganhar muito dinheiro a qualquer custo são os responsáveis pela tragédia que se abateu sobre nossas almas com a perda de nossos jovens. Jamais iremos apagar esse registro de nosso inconsciente e a questão é aprendermos lidar com essas perdas, achar um cantinho sagrado em nossa memória afetiva para guardá-los com muito amor e carinho e, de forma radical cobrar responsabilidades, não só para a barbárie ocorrida, mas estarmos vigilante para que extirpemos os irresponsáveis do comando dos diferentes poderes públicos.

Essa é uma das grandes tarefas históricas que temos. Segundo a Psicanálise, nós estamos de forma permanente vivenciando a pulsão entre vida e morte. Para Sigmund Freud o luto é a saudade de algo perdido. Perdemos muito e, consequentemente, o luto nos abateu. No ensinamento do grande Freud, com o luto o mundo se torna mais pobre e vazio e com a consequente melancolia é o eu este vazio, mas este aprendizado com a presença do Thanatus há um suplantar, segundo Freud, das pulsões que compelem cada coisa viva a agarrar-se a vida.

A esperança, que estava no fundo da caixinha de Pandora, é esse sentimento absurdamente humano que vai fazer com que superemos a dor, nos agarremos ao ser existente e sejamos capazes de gerarmos um sacro cantinho para os amores perdidos. Nossa contrapartida, na esfera da vida coletiva de nossa polis, devemos fazer pulsar a vida, ovacioná-la e fazer com que as gigantescas asas brancas de Eros planem soberanas sobre o céu de nossa querida Santa Maria e que a flecha do amor acerte todos os nossos corações para que seja o antídoto da forma de vida egoísta que é a essência da vida capitalista.

Para finalizar, volto às lindas lições da mitologia e lembremos que somos filhos do revolucionário Prometeu que, mesmo sobre a ira do carrasco Zeus, roubou a luz de Apolo e deu as condições para que sobrevivêssemos enquanto humanidade. Eros e Prometeu serão nossos guias na travessia da vida para que tenhamos plena consciência que a vida de nossos 242 irmãozinhos que se foram valeram a pena.

O grande romancista alemão, Thomas Mann, afirmou que aquilo que chamamos de felicidade consiste na harmonia e na serenidade, na consciência de uma finalidade, uma orientação positiva, convencida e decidida do espírito, ou seja, na paz da alma.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo