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O divã do Dr. Hitchccock – por Bianca Zasso

biancaHitchcock é mais que um grande nome do cinema. É uma grife. Sua face rechonchuda é conhecida até por quem acha que sua carreira se resume a cena do assassinato no chuveiro de Psicose. Cineastas que levam o rótulo de hitchcockianos, como Brian DePalma, costumam se orgulhar dessa comparação. Mas deixemos os herdeiros um pouco de lado. Vamos analisar o simpático Alfred Hitchcock. Ou melhor, ele é que vai nos analisar.

Quando fala o coração, título brasileiro com ares de novela mexicana de Spellbound (Enfeitiçado, em tradução livre), tem como tema principal a psicanálise, técnica de tratamento que estava em voga naquele ano de 1945. Entender (ou tentar) os mistérios da mente humana era um assunto que rendia para a Sétima Arte e, podemos dizer, Hitchcock era um terapeuta dos bons.

Desde o início, quando ainda filmava na sua terra natal, a Inglaterra, o diretor escolhia tramas que envolviam fobias, traumas e neuroses. Seus personagens dariam uma bela fila de espera em um consultório psiquiátrico. Isso os torna simpáticos aos olhos do público, já que de perto ninguém é normal. Porém, Quando fala o coração fez jus ao seu título tupiniquim e pendeu em demasia para o lado do romance.

É sabido que Hitchcock entendia de cenas de amor tanto quanto de cenas de suspense, mas seu sarcasmo genial perdeu espaço para um didatismo irritante e uma relação arrebatadora demais para os protagonistas que poderia ter suas várias nuances melhor exploradas. A psicanalista vivida por Ingrid Bergman, em especial, inicia sua jornada como uma profissional dedicada ao extremo, mas uma olhadela para o belo Gregory Peck basta para ela começar a se comportar como uma adolescente descobrindo o amor. Mudanças radicais que quebram o ritmo que faz de Hitchcock um gênio.

Mas não vamos atirar as pedras no diretor. O produtor do filme, o poderoso David O. Selznick, tem sua parcela de culpa, já que os trabalhos não levavam sua assinatura apenas na produção e mexer nas ideias originais de Hitchcock não o incomodava nem um pouco. Longe de ser o vilão da história, Selznick estava pensando no mercado, no lançamento, enfim, nas coisas de Hollywood que o mantinham bem remunerado.

Mesmo com o excesso de explicações, Quando fala o coração se mostra um belo filme quando sentimos o tempero inglês, como nas cenas em que a dupla de astros despista policiais e detetives que estão no seu encalço. Explico: Peck é acusado de assassinato e Bergman resolve usar seus conhecimentos médicos para ajudá-lo a descobrir o que realmente aconteceu no dia do crime. Seu maior desejo é provar a inocência do amado com ajuda das lembranças e do significado dos sonhos. E eles são um caso à parte em Quando fala o coração. O artista Salvador Dalí, um multimídia do seu tempo, criou as sequências cheias de significados, com direito a uma referência a Um cão andaluz, de Luís Buñuel, outra obra da qual foi colaborador.

Ingrid Bergman, que iria comemorar 100 anos em 2015, é a cereja do bolo. Um toque de doçura na galeria das loiras gélidas de Hitchcock. Sua beleza e seu talento abrandam as juras de amor exageradas presentes no roteiro. Romantismos à parte, Quando fala o coração merece respeito e divulgação por unir a dança de belas imagens de um dos maiores diretores da história com o frescor surrealista de um dos artistas mais empreendedores que já pisaram neste mundo. União dos grandes, bigodes, bochechas, assassinatos e doutores acima de qualquer suspeita. Vamos conversar mais sobre isso? Divã melhor que a sala escura ainda não foi inventado.

Quando fala o coração (Spellbound)

Ano: 1945

Direção: Alfred Hitchcock

Disponível no box O cinema de Hitchcock (Versátil Home Video)

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