Artigos

Duas irmãs e um Japão – por Bianca Zasso

biancaO cineasta japonês Yasujiro Ozu, integrante do “Quarteto Fantástico” do cinema nipônico (que inclui ainda Akira Kurosawa, Kenji Mizoguchi e Masaki Kobayashi), já foi assunto mais de uma vez nos textos desta coluna. Não apenas por ser brilhante no seu ofício, mas porque, mesmo tendo nos deixado há mais de 50 anos, suas produções mantiveram a força e conquistam novos admiradores a cada relançamento de suas obras. Fim de verão, o penúltimo filme de sua carreira, não possui o culto dos clássicos Pai e Filha e Era uma vez em Tóquio, mas merece uma atenção especial neste ainda jovem ano de 2016.

Lançado em 1961, Fim de verão tem como protagonista uma típica família sessentista japonesa. Tradição e leves nuances de modernidade estão presentes no cotidiano dos Kohayagawa, encabeçados pelo patriarca Manbei. O personagem é o símbolo de um Japão que está saindo de moda: conservador com os negócios e o comando da vida dos filhos, ele abandona sua dedicação aos negócios da família para reavivar os encontros com a amante, enquanto seus garotos cortam um dobrado para manter as contas em dia.

Os Kohayagawa são o centro da trama, mas nota-se a atenção que o roteiro de Ozu dá a duas personagens, mostrando-as quase de forma paralela a odisseia da família. Noriko e Akiko estão em fases opostas da vida. Ou, poderíamos dizer, fases complementares. Akiko, interpretada pela incrível Setsuko Hara, é viúva, tem 40 anos e um filho pré-adolescente. Noriko beira os 30, tem um filho pequeno e também é viúva. Ambas são assunto nos encontros familiares pois precisam se casar.

Estamos nos anos 60 e alguns costumes da sociedade japonesa já sofrem influência do Ocidente. Vemos garrafas de Coca-Cola sobre as mesas, letreiros em inglês e a filha bastarda de Manbei é uma típica jovem do período, que usa vestidos rodados e sonha com uma estola de pele para pendurar no pescoço em pleno verão escaldante.

Porém, o dilema de Akiko e Noriko é atemporal: casar ou não casar, eis a questão? A cobrança da sociedade, os sentimentos confusos e mesmo a necessidade de solidão são colocados em jogo. Noriko tem um pretendente, mas seus irmãos querem que ela se una a um homem rico. Akiko parece feliz sozinha, mas seu irmão insiste em lhe apresentar amigos.

Entre uma cena e outra envolvendo as questões familiares, as duas irmãs trocam confidências num mundo quase à parte. Suas conversas são femininas, não há o perfume da rigidez nem do cumprimento de regras. São mulheres que prezam seus desejos e desviam das cobranças sociais com elegância.  Essa cumplicidade é traduzida por Ozu em planos belíssimos, seguindo seu apreço por corredores, câmera posicionada na altura dos pés e personagens de costas, nos colocando como voyeurs de uma relação fraterna como poucas vezes vista no cinema.

Os mais conservadores costumam dar mais valor aos Ozu em preto e branco e mais voltado a contemplação. Fim de verão é uma pergunta, como se o diretor estivesse explorando um novo Japão, ainda em fase de crescimento, mas que não abandona alguns costumes. A batalha entre quimono e rodados vestidos americanos, Ozu busca nas mulheres uma resposta. E encontra a mais óbvia, que se mostra presente no Japão e em Nova York, entre casais e entre irmãos: o amor.

Fim de verão (Kohayagawa-ke no aki)

Ano: 1963

Direção: Yasujiro Ozu

Disponível no Box O cinema de Ozu Vol. 2

Distribuição: Versátil Home Vídeo

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo