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Sem Anistia! – por Leonardo da Rocha Botega

No dia 06 de novembro de 1945, em um artigo intitulado “Instituições e Costume Democrático” (publicado no Brasil no livro “Entre Duas Repúblicas”), o filósofo italiano Norberto Bobbio escreveu que “Um povo tem o direito de ser posto à prova antes que seja pronunciada sua sentença sobre a capacidade ou incapacidade de viver democraticamente”. Tais reflexões foram escritas no contexto de uma Itália que buscava a desfascistização de sua sociedade e de suas instituições.

Ao longo da última década a “capacidade ou incapacidade” do povo brasileiro de viver democraticamente foi posta à prova inúmeras vezes. Foi posta à prova quando o candidato derrotado nas eleições de 2014, Aécio Neves, não reconheceu a derrota. Quando a presidenta Dilma Roussef sofreu um golpe parlamentar, midiático e empresarial, em 2016. Quando um grupo de burocratas do judiciário utilizou mecanismo de lawfare para desestabilizar um governo democraticamente eleito, perseguir o maior partido da democracia brasileira e prender a maior liderança popular do país, interferindo diretamente no processo eleitoral de 2018.

Em que pese esses fatos iniciais (e poderíamos citar outros), nunca desde a Redemocratização, a democracia brasileira foi tão atacada como nos quatro anos do governo Bolsonaro. Pela primeira vez na História Republicana do Brasil tivemos um governo eleito que contestava o próprio mecanismo que o elegeu. Um governo que utilizou incontáveis pretextos, entre esses a negação da pior pandemia mundial desde 1918, para sinalizar a sua real intenção: a execução de um autogolpe!

Foram quatro anos onde o golpismo foi alçado à condição de política institucional. Onde as estruturas do Estado brasileiro foram aparelhadas por grupos de extrema direita cheios de tentáculos que vão de setores do empresariado ao fundamentalismo religioso, do agronegócio anti-ecologista até a casta militar. Todos sedentos por um golpe. O auge desse golpismo foi o ataque terrorista às sedes dos três poderes.

Os eventos ocorridos no último dia 08 de janeiro foram corretamente caracterizados pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva como a tentativa inicial de um golpe de Estado. Um golpe de Estado que não se concretizou, principalmente, pela enérgica ação dos setores democráticos do Estado e da sociedade brasileira. Uma ação que deve ser continuada até que todos os envolvidos sejam criminalizados. Afinal, o que tem se revelado é que tais ações não foram obras apenas da senhora sexagenária acusada de tráfico de drogas em Tubarão (SC), do assassino foragido da polícia de Novo Progresso (PA), do agressor de mulheres de Águas Claras (DF), ou da fascista do relho de Santa Maria (RS).

Assim como o Golpe Civil-Militar de 1964 (e os sequestros, assassinatos, estupros e desaparecimentos que se seguiram ao longo de vinte e um anos), essa nova tentativa de golpe de Estado, ao que tudo indica, também foi uma ação coordenada, com comando único e liderada por agentes civis e militares. Porém, diferentemente do que ocorreu no pós-Ditadura Civil-Militar, dessa vez a saída não pode ser um pacto onde os crimes sejam “jogados para debaixo do tapete”. Para que a frágil democracia brasileira sobreviva e se fortaleça só existe uma saída: nenhuma anistia para quem não aceita a democracia.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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