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O humor (quase) escatológico de Candido

EM BUSCA DOS “BLEAARGHS” PERDIDOS
     
      Candido Otto da Luz
      Jornalista
     
      Na década de 60 viajar de ônibus na linha São Gabriel-Santa Maria, era pior que o Inferno de Dante, em todos os seus estágios. Kafka e Salvador Dalí, se tivessem feito uma viagem apenas, teriam material para muitas outras obras. A empresa era a falecida Barin e não tinha asfalto.
      O ônibus era pinga-pinga, parava em qualquer lugar para apanhar passageiros. Entrava de tudo no pinga-pinga. Gauchinhos cheios de pinga na cabeça, mulheres com quinze filhos, guris com gaiolas de passarinhos, outros com galinhas dentro de sacos. Era um pandemônio. O pior era quando alguém subia no ônibus com violão – geralmente meio “aguado” – e resolvia mostrar seus dotes musicais durante a viagem.
      Em dias de chuva tinha baldeação, logo na saída de Vila Nova (hoje município de Vila Nova do Sul). Era a primeira parada depois de São Gabriel. E no único armazém do vilarejo, o motorista tomava seu café da manhã, a exemplo de alguns passageiros que se entupiam do melhor pastel que já comi em minha vida. Café com leite e pastel – era divino. Por isso o pior vinha depois: o festival de “bleaarghs”. Era incrível. Lembrei-me disso ao reler dias desses na minha coleção d’O Pasquim uma tira do personagem Gastão, o Vomitador, criado pelo Jaguar. Cada coisa ou situação da qual não gostava, Gastão vomitava, cujo onomatopaico era “bleaargh”.
      Meu Deus! Depois de Vila Nova, começava o festival. Aliás, não sei porque hoje em dia não se “bleargha” mais em ônibus. Saiu de moda. Naquela época era chic.
      – O que a senhora tem, mãe?
      – Não sei, meu filho. A vizinha do banco da frente já “blearghou” e eu ainda não.
      Era “bleaargh” no lado direito, no lado esquerdo e, às vezes vinha de cima, daqueles que viajavam em pé.
      Lembram do filme O Exorcista e daqueles “blearghs” formidáveis da menina possuída pelo capeta? Era mais ou menos assim.
      A tal baldeação que citei antes funcionava da seguinte maneira. Quando chovia, logo depois de Vila Nova, tinha um pontilhão. Então, por questão de segurança, desciam todos do ônibus. As pessoas atravessavam pelo campo ao lado, pulando uma cerca de arame farpado e correndo até o outro lado do pontilhão num gramado cheio de roseta. E tinha que correr, meeeesmo, pois a partir dali quem tinha comprado passagem, perigava ficar sem poltrona (chamar de poltrona é luxo…), pois naquela baderna e aglomeração de pessoas, muitos que estavam em pé acabavam se adonando de lugares alheios. O ônibus, só com o motorista, é claro, atravessava garbosa e solenemente o pontilhão.
      A coisa chegou a tal ponto que alguns de nós, estudantes, quando retornávamos a Santa Maria, depois de férias ou feriados, fazíamos apostas.
      – Quem tu acha que vai “blearghar” primeiro?
      – Aposto dez cruzeiros naquela senhora gorda, que há pouco estava normal, mas que agora já está ficando com o rosto esverdeado. E já abriu a janela!!
      Uma vez sugeri fazer um concurso sobre o mais criativo “bleargh”, mas não agradou muito aos passageiros, que não se mostraram simpáticos à idéia inovadora. Mesmo assim, que saudades das viagens pelas rodas da Barin.
      Quando as pessoas desembarcavam em Santa Maria, muitas estavam irreconhecíveis, olhos esbugalhados, sujas, descabeladas.
      – Vô, a mãe não vinha nesse ônibus?
      – Calma guri. Vou fazer o reconhecimento na hora da retirada das malas do bagageiro, mas desconfio que seja aquela ali, de vestido esverdeado pingante, olhos saltados e cabelo em pé.
      Por isso, pergunto: não se “bleargha” mais em ônibus? E-mails para o www.claudemirpereira.com.br.
     
      OBSERVAÇÃO MINHA: Não fiz, nem deveria, qualquer corte ou acréscimo no texto do Cândido. Apenas esclareço que o endereço de e-mail é [email protected]. Ou, se preferir, [email protected].

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