Educação

CRÔNICA. Orlando Fonseca e o Dia do Professor em um momento de incertezas com a volta às aulas

Às voltas com as aulas

Por Orlando Fonseca*

Com suas duas rodinhas, o 2020 parece uma van desgovernada, mas em velocidade de cruzeiro para o final do itinerário. O 31 de dezembro está marcado no calendário como ponto final, mas ao que tudo indica, vai dar uma esticadinha, pelo menos até março. Com isso estão comprometidas as festas de final de ano, as férias de verão e o carnaval. Anunciam pesquisadores e gestores – otimistas – que por este período teremos uma vacina, o que poderá produzir, tanto o efeito de imunização, quanto de alento para a população em risco.

Há um rol de médicos e especialistas afirmando que é preciso deixar crianças e jovens tomarem as ruas, salas de aula e aglomerações de toda ordem. Por mim, fico com o pé atrás, torcendo o nariz por trás de minha máscara. Mas o que queria dizer mesmo é que, nesta semana, comemora-se o Dia do Professor. Falando nisso, para alguns, temos um ano letivo perdido, para outros persiste o temor de permitir que a gurizada volte às aulas presenciais. O certo é que esse profissional está no centro do debate sobre educação em tempos de pandemia. E ainda restam algumas semanas deste ano doido e suas contradições nesta matéria.

Nas redes sociais, dentre as muitas postagens que vi, falando de pandemia, coronavírus, volta às aulas, uma que me chamou tem o texto que diz: “Os professores não vão retomar as aulas, porque eles sempre estiveram em atividade, no modelo remoto.” Para muitos profissionais da educação, trabalhar em ambiente virtual exigiu muito mais do que a atividade em sala de aula física. Não que um trabalho possa ser comparado ao outro, mas porque a grande maioria teve de se adaptar ao modelo. E não apenas esses, mas alunos e, principalmente, pais. Sim, porque uma coisa é o garoto – ou a garota – ficar horas e horas diante do computador, disputando um videogame; ou então ficar teclando, quase o dia todo, no celular, em bate-papos nas redes sociais. Outra, muito diferente, é ficar acompanhando na tela do computador as atividades escolares, durante duas horas, ao menos, quatro dias por semana. E depois, ainda, cumprir tarefas. Muitos entraram em estresse profundo, o que deixou pais e mães de cabelo em pé. E aí, o professor – ou a professora – teve de assimilar esse desespero, com as postagens dos grupos de pais no Whats.

Outra postagem que achei interessante, no Facebook, era uma que dizia: “Em vista do isolamento social e acompanhando as atividades dos filhos, os pais ficaram sabendo que o verdadeiro problema de educação não era a professora.” Aumentaram, e muito, segundo pesquisas de universidades do centro do país, os casos de mal-estar docente (sim, uma enfermidade psicológica arrolada como doença ocupacional da categoria). Isso quer dizer que os professores não precisam – como sugeriu a baixaria de uma alta autoridade de Brasília – retornar da folga. Da mesma forma, considero equivocada a posição dos pais que querem seus filhos de volta aos bancos escolares, para não perder o ano. No senso comum, o ano está perdido; mas, na verdade, não existe ano perdido, e aprender se aprende até mesmo nas crises. As sequelas serão grandes, é certo, mas é melhor que as crianças e os jovens estejam vivos, para que representem a geração que venceu a Covid-19 e ainda saiu melhor dela.

Para isso estão aí os professores, esta categoria pouco prestigiada, quando se fala de gestão de pessoas, seja no serviço público, seja na iniciativa privada. Sem o trabalho desse profissional, não existem as demais profissões. Por isso, além de celebrar, é preciso cuidar para que tenham vida, saúde, disposição e alegria para cumprir a sua missão de conduzir esta geração, ainda que a van 2020 pareça um veículo sem rumo.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: Crédito da foto: Hatice EROL / Pixabay

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4 Comentários

  1. Sem professores(as) não existiriam outras profissões. E uma falácia sem tamanho. Antes da sistematização do conhecimento, antes da criação das salas de aula como conhecemos hoje já existiam outras profissões. Os primeiros ‘médicos’ não frequentaram sala de aula.
    Os arquitetos da Babilonia, os engenheiros das pirâmides, os advogados da antiga Roma. Os projetistas que tocaram a revolução industrial na Inglaterra eram treinados como aprendizes. Sistema de tutoria ainda é utilizado ainda hoje em Oxford e Cambridge. Alás, nos EUA e na Europa o sistema é praticamente misto. O professor titular dá uma palestra genérica, os alunos estudam e os auxiliares de ensino atendem os alunos em horários pré-determinados para tirar duvidas.
    Sistema Fordiano de educação caminha para alteração. Não é difícil imaginar uma Alexa ou uma Siri lecionando. O diploma substituído pela certificação (diploma também é certificado, mas é outra discussão). Ensino será o mais personalizado possível para horror dos coletivistas. Obvio que não será para todos. Nesta parte os mais antigos começam a pensar nos motivos pelos quais a alteração não se dará ou, pelo menos, o sistema não poderá ser tão diferente. Como se o futuro fosse questão de argumentos.

  2. Existe o problema da generalização. Há casos que deram certo. Há professores que ‘tiraram de letra’. Houve mais engajamento de pais e alunos. Professores(as) correram atrás da máquina. A realidade está disponível para ser acessada não é questão de imagem ou argumento. Não precisa ser adivinhada.
    Em muitos lugares, porém, o problema é o(a) professor(a). Há os que transformaram a coisa numa ‘matação’. “Ninguém vai rodar mesmo, ‘seria injustiça’, se matar para que?”. Em alguns lugares com os pais assistindo, uns coniventes, outros não.
    Sequelas estão ainda para ser determinadas, tamanho idem. Vai ser a geração que passou pela Covid e teve o rumo alterado pela mesma. Diferente, melhor ou pior é subjetivo. Venceu? Qual o papel ativo, saíram no tapa com o vírus?

  3. Professor(a) não é um conceito flutuando entre o céu e a terra. Como não são médicos, enfermeiras, bombeiros e todas as outras profissões que a mídia acéfala vive transformando em ‘heróis/heroínas’.
    Um humorista americano tem o mais visto podcast naquele país. Conversas de duas, três horas com gente variada. Semana passada comentou do sofrimento da filha de 10 anos. Horas na frente do computador. Dai apareceu outro aspecto, a fiscalização das aulas pelos pais (que já acontecia via Whats). Professora queria que a guria fizesse o lanche na frente do computador. Não. Pai interviu e ‘ a minha filha vai fazer o lanche na mesa da cozinha, não existe justificativa para o que querem’. Não é necessário ir para o exterior, em pleno inverno aulas de educação física de manha cedo, crianças de pijama fazendo exercícios.
    Muitos tiveram que se adaptar porque estavam defasados. Nas universidades por aí também funciona assim. LDB diz que o mínimo são 8 horas semanais frente a aluno. Virou o máximo e uma ou duas apostilas resolvem o carreto por 30 anos.
    Diferença entre a aula online e o jogo/bate papo é bastante óbvia, a aula é uma chatice, ‘um saco’. Problema está na ‘aula’. No modelo presencial existem distrações, o(a) pupilo(a) não se sente vigiado, cansa menos.

  4. Abril ou maio. Para alguns junho. Organização da vacinação vai ter que ser municipal, não tem jeito. Alás, era algo que já deveria estar sendo pensado, com a campanha eleitoral não se sabe.
    Não existem respostas ‘certas’. Problema é o oito ou oitenta. Vide o inicio, isolamento vertical ou horizontal? Não poderia ser feito os dois ao mesmo tempo, além do horizontal dar ênfase aos mais vulneráveis? Com o tempo, com o afrouxamento que se viu o reforço do vertical permaneceria e haveria tentativa de adiar a chegada do vírus nas casas de repouso?
    De qualquer maneira o que é passado já não tem mais jeito.
    Problema das aulas é que existe o desejo de tratar coisas diferentes como se iguais fossem. Alás, problema é maior no ensino público e há quem queira liberar a volta presencial no privado antes.

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