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Violência no futebol: barbárie ou banalidade? – por Atílio Alencar

Há muito que me desencantei com o futebol enquanto torcedor, mas nunca deixei de admirar o que nele é arte refinada, nem tampouco me atrevo a contestar a legitimidade – passionalmente fundamentada – que confere ao esporte o status de instituição de primeira importância no imaginário popular do Brasil. Nesses dias em que novamente o tema da violência nos estádios volta à baila, o grande desafio consiste em evitar a polaridade habitual que, replicando o modelo de disputa em campo, transpõe para o debate sobre o comportamento das torcidas os mesmos preconceitos que mobilizam suas paixões mais violentas.

No caso em questão – a batalha sangrenta que tomou as arquibancadas de um estádio em Joinville, durante uma partida decisiva entre Atlético Paranaense e Vasco da Gama -, a comoção e revolta causadas pelas cenas dantescas que a televisão projetava em milhões de casas do país atingiu um nível, senão inédito, no mínimo raro: os próprios atletas, com a partida paralisada, cederam às lágrimas ao relatar a perplexidade diante do horror. Claro que isso contribuiu para acelerar as costumeiras e prematuras sentenças via redes sociais. Ora a culpa pairava sobre os bandidos, ora sobre a polícia (afinal, o policiamento em estádios é antídoto ou combustível para a violência?), ora sobre os clubes ou o Ministério Público, que haveria desautorizado a presença da PM no estádio.

Raros os comentários que superavam a demanda superficial da punição ideal. E quase todos pareciam esquecer que essa violência, insuportável quando televisionada, a manchar a alegria familiar do domingo, é a regra fora da perspectiva das câmeras. No entorno dos estádios, inflamados pela rivalidade lucrativa dos grandes times, aqueles pequenos chistes cotidianos e as trocas de ofensas aparentemente leves transformam-se em pancadarias épicas, muitas vezes indiferentes ao resultado da partida. Na melhor tradição romana, o bom espetáculo necessariamente termina em sangue derramado.

Enquanto isso, o discurso empresarial – coincidente com o estatal – repete ao fim de cada tragédia a impressão de que tudo não passa de um caso isolado. É preciso identificar os culpados, bani-los da festa e continuar o jogo. Bola pra frente.

As raízes da violência, entretanto, permanecem intocadas: o tráfico de influências e a politicagem envolvendo cartolas e torcidas organizadas; os interesses de empresas patrocinadoras acima da história dos times; a relação obscena e escancarada entre a indústria de bebidas alcoólicas e o futebol; os procedimentos de guerra aplicados pela polícia no trato com moradores das periferias; a unanimidade sexista compartilhada entre clubes, anunciantes e torcedores (afinal, futebol é coisa de macho e comercial de cerveja sem mulher pelada não convence); o contraste violento entre a ostentação faraônica das arenas e as condições precárias das comunidades removidas ou eclipsadas em benefício do turismo esportivo.

Mas tudo isso desaparece convenientemente sob as camadas retóricas que insistem na solução fácil da distinção entre bárbaros e civilizados, ao mesmo tempo que políticas públicas praticamente inexistem para integrar de fato comunidades e empreendimentos esportivos.

E aliás, em se tratando de responsabilidades sobre a cultura da violência no futebol: não duvide do “efeito borboleta” contido em cada xingamento homofóbico ou racista que você grita na janela do apartamento ao comemorar um gol contra o adversário. No limite, cabeças são pisoteadas por conta desse costume.

 

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