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5G – por Orlando Fonseca

Para que precisamos avançar para 5G, se com 4G ainda temos gente divulgando que a Terra é plana? O que vamos fazer com 5G, se o 4G serviu para que se espalhassem notícias falsas sobre a vacinação? Ok, seria uma desinteligência lutar contra o progresso da tecnologia, pois com ela vivemos o melhor momento, em termos de comodidade, da aventura humana no Planeta. No entanto, é de se lamentar que, mesmo tendo as melhores ferramentas e instrumentos e remédios na mão, a humanidade – em grande parcela – prefira a falta de comunicação, a falsa comunicação, o retrocesso do senso comum no lugar do método científico. Talvez a pergunta não seja por que 5G, mas sim: o que deixamos de fazer antes de colocarmos na mão de muitos brasileiros uma tecnologia mais avançada?

Com a privatização da telefonia, ao final da década de 1990, o Brasil adentrou o século 21, acertando o passo com o restante do mundo. Entende a mudança só quem viveu a experiência de um telefone de disco, as dificuldades imensas de conseguir ligação interurbana – era preciso ir a um gabinete na sede da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT); o uso de orelhões, como eram chamados os telefones públicos, que originaram a expressão “cair a ficha”, a qual, ao contrário da tecnologia, ainda está em uso. Entretanto, ainda que se possa celebrar o avanço, temos um efeito colateral nefasto nas condições sociais de nosso país. A cobertura do sinal é assimétrica em um país que ainda apresenta desigualdades imensas.

Já na pandemia do coronavírus, que exigiu mudanças no sistema de ensino do país, devido aos protocolos de distanciamento, vimos as dificuldades enormes, enfrentadas por muitas comunidades do Brasil profundo. Como o ensino passou a ser remoto e depois híbrido, para o qual seria necessário um equipamento a fim de acessar a rede de internet, obviamente, faltou um sinal adequado para o acesso de milhares de crianças e adolescentes às aulas online. Não é difícil de raciocinar que, estando na iniciativa privada, a assistência a pequenas populações que não vão pagar os custos de instalações e manutenção de sinal seja desinteressante para os negócios. O que exige a participação efetiva do Estado, garantindo a todos as condições necessárias para viver e para se desenvolver.

A par dessas condições próprias do sistema – que estão a exigir mudanças, mas que ainda estão aí pela falta de vontade política para acabar – temos uma legião de usuários sem embasamento educacional, ou minimamente de leitura, divulgando informações sem fundamento, boatos e falsidades. Por pressa, preguiça ou preconceito, a usina de mistificações, imprecisões e falácias encontrou terreno fértil e estradas de alta velocidade para percorrer todos os cantos onde a ignorância impera. Como profetizou o mago da comunicação, o teórico canadense Marshall McLuhan: “o meio é a mensagem”. Com a autoridade de uma tecnologia nova, potente, instantânea, mentes brilhantes (e maldosas) passaram a ter uma ferramenta para encher a “aldeia global” – expressão criada pelo filósofo citado – de bobagens para encantar mentes menos brilhantes (e ingênuas).

Não há como, nem por que, lutar contra o avanço da tecnologia, seja em que área for. Mesmo que se conviva com o paradoxo de gente desacreditando da ciência, que criou a vacina, e divulgando isso com um equipamento criado pelo avanço da mesma ciência, que criou a telefonia celular e o 5G. Mas precisamos, como Nação, recuperar o tempo com o que deixou de se fazer no passado: disponibilizar para crianças e jovens os instrumentos de uma educação de qualidade, que forme cidadãos responsáveis, capazes de pensar e de se expressar com argumentos sólidos. Basta olhar o que fizeram países que, ainda na metade do século passado, estavam nas mesmas condições que o Brasil, como Coreia do Sul, Dinamarca, Finlândia e países asiáticos: investimento massivo em educação. Só assim é que se constrói um país em condições de se desenvolver, usando as ferramentas que a ciência tem colocado à nossa disposição.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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3 Comentários

  1. Telebrás foi privatizada. Foi recriada a estatal no governo Molusco com L. Também foi criado o Plano Nacional de Banda Larga. E o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. Funcionou? Não. Não adianta querer utilizar paises outros como exemplo. Contexto é outro. População pode ser ignorante, mas não é burra. Vide as filas que se formaram aqui na aldeia. No mais é a baboseira, a politica baixo nivel, de sempre. Defendem o metodo cientifico que não sabem nem para eles mesmos. Defendem o fim da liberdade de expressão, utilizam a discrepancia como se fosse a regra geral. Educação de qualidade existe no Brasil, só que no setor publico é exceção. Virou ‘propriedade’ de uma corporaçã que é autosuficiente e que se auto-avalia. Resumo da ópera, luta politica entre cavalistas e molusquistas é problema deles. Muito mimimi.

  2. Não existe desaforo, falta de respeito, maior do que perder o tempo dos outros. É o bem mais escasso da vida. Perder tempo com a utopia, com a ideologia, dos outros é burrice. É problema cognitivo. Quem quiser mudar o mundo boa sorte na empreitada. Vá pela sombra. Alguns acham que a terra é plana? Não é problema meu. Existem tribos isoladas na Amazonia que vivem como caçadores coletores. Também longe da minha esfera de influencia. Qual o numero magico de vacinação? 80%? Santa Maria acredito já ter ultrapassado. Fim da história. Alás, está fora do meu alcance, e interesse, tutelar toda a população tupiniquim e/ou a humanidade. Não tenho vocação para megalomaniaco. Ou autoritario.

  3. Lendo um post no Quillette sobre a revolução cultural na China. James Baldwin, escritor ianque, afirmou que ‘Ninguém é mais perigoso do que aquele que se imagina puro de coração porque sua pureza, por definição, é inquestionavel’. Boatos sempre existiram, diferença é o numero de pessoas alcançadas. Quem leu ‘Cidadãos’ de Simon Schma sabe que durante a Revolução Francesa a desinformação era divulgada através de panfletos. Resumo da ópera é bastante óbvio, não é a tecnologia, é a natureza humana que muda muito lentamente.

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