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Nossas escolhas ao som do blues – por Bianca Zasso

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Em um mundo perfeito, as pessoas iriam escolher suas profissões baseadas na intuição e nas pequenas coisas que as fazem felizes. Nossa realidade passa longe da perfeição e mesmo assim muitos ainda deixam de lado a segurança e o bom plano de saúde que a empresa garante para fazer o que ama, por conta própria ou em parceria. No mundo das artes, muitas são as histórias dos que trocaram um contrato assinado por uma Kombi usada e saiu pelo mundo.

O diretor e ator John Cassavetes, apesar das participações em sucessos como O bebê de Rosemary, de Roman Polanski, e Os doze condenados, de Robert Aldrich, sempre gostou de passear na contramão. Seus trabalhos por encomenda (a exemplo do piegas Minha esperança é você) garantiam o dinheiro necessário para que ele pudesse contar as histórias que queria. Talvez por isso um dos filmes menores de sua carreira tenha como tema principal a angústia de fazer arte sem liberdade.

A canção da esperança, título infeliz para o original Too Late Blues tem como protagonista John ‘Ghost’ Wakefield, um jovem músico e compositor de jazz. Líder de uma banda que se apresenta em lugares públicos, ele parece ser feliz levando sua música para praças e orfanatos. Mas a balança está em desequilíbrio. Seus parceiros, todos mais velhos, querem retorno financeiro e enxergam em John o otimismo da juventude que já não paga suas contas. As discussões constantes entre o grupo tornam-se mais intensas com a chegada de Jess, uma aspirante a cantora que investe mais na sedução de empresários do que em ensaios.

A chegada do amor na trama poderia ser a janela para a tal esperança do título nacional se fazer presente. Mas Cassavetes acredita, mesmo em seus filmes menos autorais, que o amor faz ferver, atiça os nervos ao invés de acalentar a alma. E a desilusão de John com Jess vai leva-lo a abandonar seus sonhos. Ele veste o terno da moda e toca sem emoção, já que no fim do mês o salário está garantido. Suas contas não estão mais atrasadas, mas sua arte estagnou. Sua música perdeu o significado, apesar de agradar ao público. O rapaz entusiasmado e cheio de vida dá lugar a um músico sem alma, quieto e que executa seu trabalho no automático.

Too Late blues acende a faísca que alguns insistem em manter apagada: vale a pena trocar o processo criativo por um emprego seguro? Desacreditar no próprio talento é a saída para a sobrevivência? Esta que vos escreve acredita que não. A trajetória errante não é fácil, mas nos permite colher frutos bem mais saborosos. John Cassavetes acreditou nisso até o fim e fez com que seus personagens seguissem seus passos.

Too Late blues é um conto sobre os que caminham na corda bamba e mesmo ao experimentarem o conforto da vida regrada sentem-se incompletos. Passa longe de ser o melhor trabalho do diretor, mas é um retrato sobre suas crenças e merece ser visto e revisto não apenas como entretenimento de qualidade, mas como um trampolim para, mesmo sob a tempestade, batalharmos por nossas vontades.

A canção da esperança (Too Late blues)

Ano: 1961

Direção: John Cassavetes

Disponível no box A arte de John Cassavetes

Distribuição: Versátil Home Vídeo

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