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O tempo não para – por Orlando Fonseca

Nesta semana termina o mês de novembro, e com isso entramos no último mês de 2017. Junto com Black Fridays, promoções e enfeites natalinos, ocorre um fenômeno recorrente, não perceptível nas outras estações: é quando nos damos conta de que o tempo não para. Agudamente, entendemos que viver é seguir o seu fluxo, e não há estações de paradas para um simples observar a paisagem. Muito mais do que versos de uma canção popular, somos sacudidos com a percepção de que não podemos sair dos trilhos desse comboio, o que quer dizer, entre outras coisas, que ficamos frustrados por não termos executado uma série de coisas, além da certeza de que estamos um pouco mais velhos.

Admirados, ou distraídos, exclamamos: “puxa, já estamos no fim do ano!”, como se fosse possível uma falha no tempo, ou um coma geral. Ali pelo mês de agosto teríamos apagado, ou dado um salto e assim já chegamos ao início de dezembro. Quem sabe passamos, no ano corrente, por uma espécie de ano bissexto ao contrário, em vez de se acrescentar um dia em fevereiro, subtraíram-se uns dois dias a cada mês. É bem verdade que as promoções natalinas têm começado ainda em novembro, final de outubro, e isso perturba a percepção temporal. Espírito natalino deve ser algo a curtir, pelo menos, a partir dos primeiros dias de dezembro. Como tudo, na sociedade de consumo, até o tempo tem valor de troca e já vem com desconto.

O tempo não para, alertava-nos melodicamente o cantor popular, Cazuza. Passou o cantor, mas ficou a sua voz na música como um sinal deste trânsito que não se interrompe. Na verdade, não nos damos conta de que, na pressa do dia a dia, nós é que fazemos a roda do tempo girar fora do normal. Estabelecemos metas e nos apressamos para alcançá-las; quando chegamos lá, olhamos mais adiante e já estamos nos atirando em direção à outra margem… E aí é que mora o perigo: quando menos se espera, já é dezembro, já é hora de ir para a escola; são quinze anos, meio século. Aliás, temos uma expressão das mais intrigantes do nosso vernáculo. Quando se quer ansiosamente que chegue o momento de se fazer algo, dizemos “não vejo a hora”.

Lógico, diria um estrangeiro sem entender o que pretendemos com o absurdo desse lugar comum: ninguém vê mesmo. Hora não é coisa para ver. O mostrador do relógio é “analógico”, ou seja, simula apenas uma convenção numérica. E nem é a isso que nos referimos. Olhamos tão desejosos o depois de amanhã, que o que não vemos é o minuto atual, o dia de hoje, as próximas semanas, o ano que vem. Queremos mais é acabar de uma vez o expediente, e ir para um fazer-nada ao fim da tarde; que a semana passe num passe de mágica, para que cheguem rapidinho as promessas de sábado-e-domingo; que corram os meses, e cheguem logo as festas e as férias.

No entanto, o efeito colateral é a surpresa do tempo decorrido, aliás, segundo alguns, o único que existe: o agora é difícil de perceber, pois estamos nele, o futuro ainda não aconteceu. Só o passado pode ser apreendido pela consciência e se constituir em algo que possa ser verbalizado, virar narrativa, ser fato. Na verdade, não vemos o que se dá nesse preciso momento, na hora mesmo; só lembramos o que já foi e imaginamos intensamente o que virá. Por isso o susto: minha nossa, já é hora de ir para o quartel, estou atrasado para o vestibular, tenho de levar as crianças para a escola, já estou saindo da casa dos quarenta. Melhor assim: o susto é a certeza de estarmos a caminho, porque, quando chegar a nossa Hora (que também não veremos), nem vamos perceber que o tempo parou para nós.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é reprodução da internet.

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