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Mídia. O governo não é culpado, a TAM jamais poderá ser. Então? Ora, a culpa é do piloto

É horrível isso. Mas está cada vez mais claro como deve ser distribuída a culpa pela tragédia que matou cerca de 200 pessoas, no acidente com o avião da TAM em Congonhas, São Paulo. O problema é como deixar claro para o cidadão – seja ele leitor, ouvinte ou telespectador. Ou todos juntos.

 

Por quê? Porque havia culpas “pré-concebidas”. E sobraram “especialistas”, inclusive na radiofonia da boca do monte, “explicando” o que havia acontecido. E agora, quando tudo parece concorrer para uma conclusão diferente daquela que se dizia, então? E olha que ainda demorará meses para a definição das causas.

 

É lapidar (não gosto da palavra, mas é a que me ocorreu no momento) o texto publicado por alguém pra lá de insuspeito, o respeitado jornalista Luis Nassif. É dele o texto que publico a seguir. Confira:

 

“Os erros da cobertura apressada

No meu livro “O Jornalismo dos anos 90” relato quase duas dezenas de casos de cobertura da mídia em que o “efeito manada” produziu erros gigantescos.

Aparentemente, não se aprende. A mais nova reedição do caso “Escola Base” está na cobertura do acidente com o Airbus da TAM, que vitimou mais de duzentas pessoas; o “japonês” do acidente aéreo foi um morto que não podia se defender: o piloto.

Com o choque inicial, logo após o acidente passou-se a uma busca frenética por culpados. Em um primeiro momento concentrou-se no governo, na pista de Congonhas, na falta de ranhuras no asfalto.

Deixou-se de lado o jornalismo para se ficar numa ladainha única, em que nenhuma outra hipótese era investigada. E essa algaravia escondeu outras interpretações comentadas por especialistas, mas que não chegavam às páginas dos jornais.

***

Nos poucos momentos em que se permitiu um pouco de jornalismo, descobriu-se que o avião em questão estava com o chamado reverso pinado – um reverso inoperante. Reverso é um sistema inverte o empuxe do motor, ajudando a frear a aeronave.

Seguiu-se um festival de explicações “técnicas”, de que o reverso não era relevante, que seria apenas um luxo a mais nas aeronaves, que importante eram os freios e “spoilers”.

Quando a caixa preta (que grava as conversas na cabine) foi enviada para os Estados Unidos, acompanhada por uma comitiva de deputados, o discurso começou a se inverter. De repente, o reverso passava a ser importante porque, quando não está em funcionamento, exige uma nova posição dos manetes (os instrumentos que permitem ao piloto controlar a altura da aeronave). Se, na hora de pousar, o piloto não muda a maneira tradicional de colocar os manetes, os instrumentos eletrônicos de bordo interpretam como se ele estivesse querendo decolar. Em vez das turbinas reduzirem, elas aceleram.

***

Ora, havia duas explicações para eventuais problemas com os manetes: ou erro humano ou problemas mecânicos. Sendo a segunda hipótese, estariam comprometidas a TAM, as autoridades aeronáuticas e, provavelmente, a Airbus.

Aí se viu na cobertura uma mudança de rota inacreditável. Publicação capaz de atribuir ao governo responsabilidades até das precipitações pluviométricas, passaram a encampar a tese do erro humano, poupando as autoridades e sequer mencionando responsabilidades da TAM. O culpado passou a ser um morto, que não podia se defender.

Com a divulgação dos diálogos registrados na cabine, muda o quadro. Um piloto alerta o outro que o reverso esquerdo estava paralisado; o outro concorda. O que significa que pousaram sabendo como proceder. Nos diálogos, descobre-se que o “spoiler” – um sistema de frenagem mais potente que o reverso – não funcionou,que os freios provavelmente não funcionaram. Pode ter sido erro dos pilotos? Pode, mas numa probabilidade muito baixa.

***

Semanas de cobertura intensiva desmentidas, todas as afirmações peremptórias desmascaradas, a voz do morto, saindo dos arquivos da caixa preta para absolvê-lo.

Como ficamos? Como fica o jornalismo?

Tem que haver limites para o show.”

 

SUGESTÕES DE LEITURA – confira aqui outras notas e informações políticas e/ou econômicas de Luis Nassif.

Leia também a reportagem “Professor de ética vê politização em acidente”, de Daniel Bramatti, no Terra Magazine.

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