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Alívio – por Orlando Fonseca

A celebração da vitória nas eleições presidenciais foi substituída pela sensação de alívio. Ao menos é a percepção que tenho, considerando o meu estado político/mental, e de algumas pessoas com as quais convivo. Todos vimos, houve muita gente que saiu às ruas para comemorar, mas conheço um número razoável de gente que, como eu, teve receio de ser atingido por um balde de água fria, uma bofetada ou uma bala (só para ficar no B), de se expor para cantar vitória em algum espaço público. São tempos complicados estes, em nossa República, nos quais a ideia expressa nos versos do hino pátrio (antes do samba-enredo) – “liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós” – pode se converter em uma ameaça, em vez de alegria e festa.

Apesar dos que sentem de imediato o alívio pela expectativa de um novo ciclo em nossa claudicante república, há focos de resistência nas estradas federais e em frente aos quartéis de várias cidades do país. Que não se limitam a interromper o trânsito, estender faixas com protestos, queimar pneus ou jogar pedra nos que tentam romper as barreiras. O que estão fazendo é tentar – quixotescamente – desviar o curso da história, criando falsos atalhos, pontes fictícias, terceiras faixas de falácias. Não contentes com seus descontentamentos descontentes (parodiando o soneto camoniano, no que pretendo referir o ódio), querem projetar para a Nação o seu clima de terror, perplexos com a decisão soberana das urnas.

Quando nos perguntamos a respeito do que eles estão fazendo – resistência a quê? – é que podemos vislumbrar um quadro que nos deixa estupefatos. Estes que estão aí atravancando o nosso caminho pretendem criar uma realidade falsa, a partir do resultado das urnas. Em última análise, querem dar novos significados à democracia, o que, sem dúvida, leva ao seu enfraquecimento e morte. Em nome da liberdade de expressão, ou de manifestação, querem suprimir as liberdades dos demais – não apenas a de ir e vir, garantida pela Constituição, mas a de escolher os seus representantes, em especial o primeiro mandatário que comandará um projeto diferente do que aquele apresentado pela atual situação. Simples assim, liberdade, abre as asas sobre nós!

O que se pode observar das manifestações de luto e chororô é que esse pessoal criou narrativas para justificar as diatribes do governo, a falta de projetos consistentes para tirar o país da crise. Criaram lendas e mitos para espantar fantasmas de um regime que nunca existiu por aqui – a não ser nos mais delirantes projetos e nos seus temores, e passaram a acreditar neles, sem o menor constrangimento de expressar publicamente, nas ruas ou nas redes sociais. Em vez de buscarem informações nos livros de história, ou em publicações confiáveis, baseiam suas histórias e argumentos em bate-papos de WhatsApp ou Telegram. Sintoma disso é o que se vê nos cartazes que estão erguendo nos manifestos: Ninguém vai comer meu cachorro! É o “vai pra Cuba” da vez. Havia mais risco de que o Brasil se transformasse em uma “Venezuela” com o rumo que a política vinha tomando com o atual governo do que com as propostas vencedoras nas urnas agora. Isso é tão nítido, quanto o rótulo de mitômanos que cabe muito bem nos que pretendem interromper a marcha da história nacional.

Ainda nos resta neste ano atípico – embora haja muito tempo que eleições presidenciais coincidam com anos de copa do mundo – torcer por uma vitória da seleção. Há quem já tenha se decidido a não torcer ou torcer contra. Eu já me decidi: vou torcer a favor, a despeito do menino Neymar. Vou querer que ele se dedique a favor da minha alegria. Temos a melhor geração de jogadores há muitos anos. Pode ser que, de alguma maneira, se resgate o símbolo nacional, das cores da bandeira, para o que lhe é uma vocação: ser universal. Não sei se terei coragem de sair por aí – sem cair no ridículo – enrolado em nosso pavilhão verde-amarelo. Mas só de vislumbrar esta possibilidade já me sinto aliviado.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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11 Comentários

  1. CF88 está no telhado faz tempo, pelo menos desde 2013. Crise de representatividade continua. Uma das causas da Revolução Francesa foi uma minoria cheia de privilegios, os nobres (politicos? servidores publicos?). O Contrato social, Rousseau, ‘o Estado deve promover a liberdade’. ‘O Estado deve estar a serviço do cidadão’ (não o contrario). Ninguém dirige os rumos da historia, vamos ver onde o descontentamento leva.

  2. ‘Menino’ Neymar sempre foi muito protegido, ‘o garoto propaganda do nosso patrocinador joga muito e não pode ser tocado’. Nunca fui muito fã. Agora apoio o Cavalão e ‘não presta mais’. ‘O amor venceu’ (bando de infantis ridiculos) mas não é para todos. Sentimento de ridiculo é, como o chifre, psicologico. Coisas que nos colocam na cabeça.

  3. ‘Em vez de buscarem informações nos livros de história[…]’. ‘“liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós” que continua ‘Das lutas na tempestade Dá que ouçamos tua voz’. Republica foi proclamada com um coup d’etat. Resultou na ditadura de Floriano Peixoto (no RS na ditadura de Julio de Castilhos e depois Borges de Medeiros). Artur Bernardes, cujos seguidores eram chamdos ‘bernardistas’ cumpriu praticamente todo o mandato em Estado de Sitio. Alás, ‘republica’ onde a res é publica, mas tem uma ‘comissão’ de 3 a 5% e um monte de parasitas.

  4. ‘[…] a falta de projetos consistentes para tirar o país da crise’. Crise virou parte de uma narrativa para justificar aumento de impostos. Não é tão grande assim. Brasil virar Venezuela é complicado, mas virar uma Argentina é facil. Já estivemos pior. Alás, Argentina esta com a economia parecida com a brasileira em 64. Alás, Brasil nunca esteve tão bem como os hermanos (no inicio do século XX era praticamente uma Europa, é o que dizem), mas já esteve bem pior. Total zero, Molusco com L., o honesto, vai mandar uma graninha para lá.

  5. Biblia, não lembro onde, tem a pergunta ‘pode o leopardo mudar suas manchas?’. ‘O que estão fazendo é tentar – quixotescamente – desviar o curso da história […]’. ‘[..] pretendem interromper a marcha da história nacional.’ Isto é Hegel, muito provavelmente via Marx.

  6. Tento lembrar de uma democracia onde não há o direito a manifestação. Talvez a finada ‘Deutsche Demokratische Republik’, velha Alemanha Oriental. Alás, cometa o crime e pague o preço (algo que no Brasil é muito teorico).

  7. Resumo é que embora alguns desejem a ‘narrativa’ do ‘golpe’ é só mais uma teoria da conspiração. Regime que nunca existiu por aqui não por falta de tentativa. Intentona Comunista, Guerrilha do Araguaia (que era do PCdoB), luta armada nas cidades com assalto a bancos e atentado a bomba no Aeroporto de Guararapes. Lista curta.

  8. O ‘espelhamento’ é interessante, medir os outros com a propria regua. Mentiras, teorias da conspiração baseadas em informações que não podem ser verificadas. Exemplo? ‘Quando privatizaram a CRT ela já tinha todos os equipamentos prontos para instalar a telefonia celular, tudo estava pronto e venderam para a iniciativa privada’. “Quem me falou foi um funcionario (indeterminado) que trabalhava na empresa naquela epoca’. Dá para escrever uma lista telefonica de SP com exemplos. ‘Tem um livro que foi escrito por um completo desconhecido que ninguem leu alem de mim, mas diz que tenho razão’. ‘O sistema financeiro internacional passa conspirando contra nos’. ‘O William Waack é agente da CIA, foi visto almoçando com um americano em BSB’. Chame seus inimigos do que voce é, acuse-os do que voce faz.

  9. Noutra semana vi entrevista com o doutor Andrew Huberman. Neurocientista de Princeton. Citou o livro ‘The Enlightenment Trap: Obsession, Madness and Death on Diamond Mountain’. ‘A armadilha da iluminação: obsessão, loucura e morte. Livro escrito por um antropologo e jornalista. Fala sobre meditação. O caso que comentou (não sei se está no livro ou é adicional) é o de um sujito que foi para um retiro no Colorado para um retiro de meditação. Na volta despediu-se dos amigos e amigas, comunicou que tinha atingido o Nirvada. Ao final tirou a propria vida. O busilis é que não ‘tentam criar uma realidade falsa’ (como os Vermelhos), acreditam piamente que estão sobre ameaça.

  10. Para ‘ajudar’ existe o que é dito e o que sai na ‘radio peão’ do zapzap. Literalmente a brincadeira do telefone sem fio. Em qualquer civilização (antes que comece o mimimi) os crimes não tem como ser impedidos, porém tem consequencias. Assim, se alguem me amassa a cara vai sofrer os processos, mas minha cara não vai desamassar (ou a dor passar) por magica. Desacatar muita gente aumenta a probabilidade de ofender um maluco. Habeas Corpus tira da cadeia mas não tira do cemiterio. Ou seja, recomenda-se extrema cautela. Noutro dia, é o que dizem, um caco velho duble de intelectual largou num tom extremamente agressivo um ‘mas eles não conseguem entender que….’. Tem gente que implora uma garoa com vento.

  11. Sim, a comemoração. Grupos de carros catando prédios com a bandeira do Brasil para passar na frente multiplas vezes buzinando alucinadamente. Como sempre a provocação. Que se resultar em consequencias leva ao vitimismo e ao ‘Mas eu não fiz nada!’. A covardia de quem se acha muito valente no bando e isolado não tem como sustentar. Mais, periodistas e debatedores que são muito valentes na segurança do estudio e esquecem que depois tem que sair na rua. Além, a linha que separa a assertividade da arrogancia é tênue, mais ainda a que separa a arrogancia da agressividade é muito mais.

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