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Nós e as telenovelas – por Carine Prevedello

Talvez não impressione mais a repercussão que as telenovelas de horário nobre causem no Brasil. Mas trata-se, sem nenhuma dúvida, de um fenômeno de Comunicação em um país continental como o nosso. Há poucos dias, assisti à professora Maria Immacolata Vassallo de Lopes, da USP, falar sobre as telenovelas e a formação de uma identidade nacional no Brasil. É muita coisa, como diz nosso anfitrião, Claudemir Pereira. E por mais que pareça pretensioso, é uma relação bastante palpável, para todos nós.

Entre a última e a atual semana desenrolam-se momentos decisivos no principal produto desse estilo, na principal produtora de telenovelas do país. Quando falamos de telenovelas brasileiras, estamos falando, inevitavelmente, das telenovelas da Rede Globo, tanto para o imaginário nacional, quanto internacional. Independente de eventuais análises que atribuam o poder simbólico conferido à produção de teledramaturgia “global” a uma conjunção entre poder econômico e político construída desde o surgimento deste canal de televisão no Brasil, esses fatores credenciaram a TV Globo a construir um modelo-padrão de telenovela brasileira. Desde os tempos de Dias Gomes e Janete Clair chegando às tramas de Manoel Carlos, Gloria Perez ou Aguinaldo Silva, o final das noites da semana têm sido acompanhados pelas tramas globais.

E as telenovelas, muito mais do que simplesmente uma trama ou uma peça de dramaturgia, estão inseridas numa indústria cultural que movimenta o imaginário social e incide, em função disso, na construção de uma identidade nacional. Não foram poucos os movimentos sociais impulsionados pelos debates trazidos pelas novelas: transplante de órgãos, portadores de necessidades especiais, desarmamento, violência doméstica, uniões homoafetivas, até mesmo a reforma agrária e a sordidez política foram temas que ganharam repercussão.

Nas ruas, os destinos dos personagens e os conflitos dos vários núcleos são debatidos como se fizessem parte do cotidiano comum a todos, como se os personagens fossem nossos velhos conhecidos. O visual dos protagonistas vira moda, as músicas e a decoração que nunca antes foram populares, viram tendências. Como uma sedução coletiva, a ficção movimenta a realidade. Os apocalípticos poderão deduzir a partir disso uma justificativa para a teoria da manipulação exercida pela televisão sobre o público. Não é o que penso.

Há alguns núcleos importantes que pesquisam as telenovelas no Brasil, como a própria Pós-Graduação em Comunicação da USP, onde está a professora Maria Immacolata. E que trazem resultados interessantes. Tanto a população marginalizada quanto a classe de melhor posicionamento social identificam-se com as representações feitas pelas novelas. Ambas acompanham, com maior ou menor incidência. De alguma forma, as discussões oferecidas pela telenovela são potencializadas, e tem de fato um poder de persuasão relevante para o comportamento e a identidade, especialmente nos grupos sociais mais vulneráveis. Não há como desconstituir, portanto, o poder de interferência das telenovelas sobre o imaginário social. Há, pelo menos na possibilidade de interligação nacional através de um mesmo canal de comunicação, um potencial de integração de discursos inquestionável. Desde o surgimento da TV, no caso do Brasil nos anos 50, a dimensão audiovisual vem se impondo como a gramática de leitura da realidade, o que confere ao conteúdo da televisão uma importância crescente. As telenovelas são vistas por muitos críticos como a substituição da literatura a que os brasileiros não estão acostumados. Pode ser que isso tenha sentido.

O fato é que possivelmente não exista uma trama literária que possa ser acompanhada – e discutida – simultaneamente por um contingente tão expressivo da população, e que isso tenha incidência também sobre outros fatores do cotidiano. Isso confere ao conteúdo televisivo uma responsabilidade que frequentemente é desconsiderada. Esse é certamente o mais importante debate, embora muitos dos debates propostos pelas telenovelas sejam relevantes. Podemos dizer também que alguns dos costumes e comportamentos defendidos não o são. Ainda é possível lembrar que as telenovelas brasileiras tem abordado com insistência sociedades de outros países, ainda que buscando relação com a diversidade cultural característica do Brasil, reduzindo questões que poderiam ser aprofundadas no cenário nacional. Há muitas questões inseridas nessa discussão. Telenovela é entretenimento. O canal de televisão é uma concessão pública, portanto, deve prezar pelo interesse público. Meu objetivo não é desconstituir nem um fator, nem outro. É apenas lembrar que ambos estão inexoravelmente intrincados nesse universo que nos distrai, nos emociona, nos agride e mobiliza, capítulo após capítulo. É muita coisa.

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2 Comentários

  1. Bom texto. Acredito que as novelas globais, no estágio atual, estão se deformando enquanto gênero. Estas tentativas de inserir temas ou debates sociais, como transplante de órgãos, deficiência mental etc, está sendo feita de maneira mais documental do que ficcional; o que, ao meu ver, distorce a narrativa típica de uma telenovela. Será que os brasileiros gostam de assistir a depoimentos de pessoas reais, como acontece nas novelas de Gloria Perez, por exemplo, ou preferem assistir a uma boa história, claro, verossímel à realidade. Da mesma forma, o merchandising e a propaganda vem contaminando o gênero novela.

  2. Sem dúvida é uma ótima discussão. É inegável a participação das telenovelas no cotidiano nacional. Podemos e devemos criticar alguns pontos do “conteúdo” mas é indiscutível a relevância da “forma”. Não fosse relevante, não seria o principal produto da “Plin-Plin”, vendido para dezenas de países.

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