Fábula psicodélica – por Bianca Zasso
David Lynch não é um diretor de meios-termos. Ou você ama ou você odeia. Ninguém gosta um pouquinho dele. Isso porque seus filmes são viscerais, oníricos e nos convidam para embarcar num sonho louco, desses que fazem a gente acordar com uma sensação estranha. Mesmo que toda a sua filmografia seja assim caracterizada, nenhum filme-sonho de Lynch é tão tocante e romântico quanto o já clássico Coração Selvagem.
Protagonizado por Nicolas Cage, numa de suas melhores atuações, e a musa lynchiana Laura Dern, Coração Selvagem é um dos filmes mais práticos do diretor americano. Entrecortado por flashbacks e devaneios dos personagens, o filme apresenta passagens que enchem nossos olhos e nosso espírito. Vale lembrar que, ao contrário de muitos de seus contemporâneos, David Lynch não passou por nenhuma escola de cinema. Sua formação é em artes plásticas. E o que seria um filme senão um quadro em movimento? Coração Selvagem é algo entre a art nouveu e o dadaísmo.
Tudo começa quando Sailor não sede aos encantos de sua sogra no banheiro de uma festa. Enfurecida, a mulher manda matá-lo, mas quem acaba morto é o assassino de aluguel. Sailor vai para a cadeia e sua amada, Lula, não vê a hora de ter seu namorado de volta. Durante sua condicional, Lula e Sailor ganham a estrada para viver uma aventura de ação, sexo, belas canções e muitos, mas muitos cigarros. A fumaça está presente em praticamente todas as cenas e é muito mais do que um vício. Serve como uma espécie de moldura para os delírios dos personagens.
Coração Selvagem é um filme de detalhes: a jaqueta de couro de cobra é a proteção da rebeldia de Sailor. Já Lula intercala seu jeito sexy e sua boca eternamente vermelha com os sonhos de garotinha permeados por passagens do clássico de Victor Fleming, O mágico de Oz. Lula acredita na estrada de tijolos amarelos e que seus sapatinhos podem levá-la de volta para casa. Uma ilusão que parece não aliviar sua sede de viver intensamente e sua paixão insana por Sailor.
Apesar das cenas de estratégia, como os planos da mãe de Lula para matar Sailor com a ajuda de seus amantes, Coração Selvagem nos ganha com o casal central. A cena em que Nicolas Cage solta o vozeirão ao som da canção Love Me, é um marco do cinema dos anos 90. Sabemos que não é nenhuma novidade o mocinho cantarolar para a mocinha versos de amor, mas nas mãos de David Lynch isso ganha um novo peso. O mocinho é um assassino pelo qual não sentimos repulsa e a mocinha não bate bem das idéias, mas é encantadora.
Coração Selvagem é quase uma fábula, uma história de amor temperada com um estranho sabor amargo. Mesmo sendo baseada em um livro, é David Lynch quem imprime sua marca na película. E se mostra um romântico incurável, que vê romance e paixão até com armas em punho. Um paradoxo de encher os olhos, encerrado com maestria ao som de Love Me tender. Elvis ficaria orgulhoso.
Coração Selvagem (Wild at heart)
Ano: 1990
Direção: David Lynch
Disponível em DVD
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