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Triângulo intenso – por Bianca Zasso

Se de grão em grão a galinha enche o papo, de dois em dois o cinema enche os olhos. Casais apaixonados encantam o público desde os tempos castos da sétima arte, onde um simples beijo causava furor na sala escura. O Código Hays, que ditava as regras de conduta dos filmes era puritano ao extremo.

A arte superava tudo e dava o seu recado por meio de cenas alegóricas e diálogos de duplo sentido. Porém, quando o código deixou de imperar, no final dos anos 60, sexo, drogas e traição deixaram de ser apenas sugeridos. Ganharam a tela sem pudor. Foi o auge dos triângulos amorosos. Dos complicados aos divertidos, os trios que se amavam geravam discussões, afinal, sempre há uma simpatia maior por um dos casais possíveis. Mas e quando o trio merece ficar junto, tal a força do sentimento?

Cidade baixa, do diretor Sérgio Machado, é um triângulo que vai além do desejo e da dúvida.  Os amigos de infância Deco e Naldinho, interpretados por Lázaro Ramos e Wagner Moura, são como irmãos e vivem de pequenos golpes e fazendo frete em um barco a vapor caindo aos pedaços. Dois baianos que não correm atrás do trio elétrico, mas atrás da máquina. Morrem e matam um pelo outro. São tão unidos que se apaixonam pela mesma mulher, a prostituta Karina, interpretada com muito talento por Alice Braga.

Deco, Naldinho e Karina são almas errantes, daqueles personagens que não trazem um pingo de esperança no olhar. É justamente essa característica que os torna encantadores. Não há como não torcer por eles, mesmo diante de suas mancadas e falta de escrúpulos.

O público, que sempre torce mais por um personagem, não consegue se decidir diante do trio. Isso porque os três são um só. A cena onde eles dançam em uma boate representa bem isso: Karina, o elemento feminino, se entrega igualmente aos braços dos dois, sem demonstrar interesse maior por um ou por outro. Ela gosta dos dois. E gosta muito. O que começa como uma ménage à trois com intuito de diversão, torna-se uma relação forte, com direito a brigas, doçura e paixão. A atração irresistível e complicada do trio é traduzida com precisão nas três principais cenas de sexo do filme.

Diferente de algumas produções, onde o sexo é apenas uma forma de mostrar os belos corpos dos atores se contorcendo em cenas milimetricamente coreografadas, em Cidade Baixa ele ajuda a conduzir a história. Começa servindo de moeda de troca, quando Karina transa com Naldinho e Deco para “pagar” sua carona até Salvador. Depois, numa prova de superioridade, Naldinho rouba Karina dos braços de Deco. Para terminar, numa das sequências mais sensuais do filme, Karina e Deco trocam carícias em um beco escuro.

É esta transa rápida e sem romantismo a responsável pelo abalo mais forte do filme. Deco e Naldinho vão iniciar uma guerra, cujo motivo nem eles próprios entendem. Vão brigar pela mesma mulher mesmo sendo amigos. É como se cada um deles quisesse fazer o outro um pouco vencedor. Deco quer Karina, mas também quer a felicidade de Naldinho com ela. Naldinho faz qualquer coisa pelo amigo, mas também quer ser feliz com a mulher de sua vida. Karina quer os dois. Pra ela e juntos.

Nessa ciranda de sangue amor e amizade eles vão rodar, tendo como pano de fundo uma Bahia que nem de longe lembra a mostrada em propagandas de pacotes turísticos ou nas novelas inspiradasem Jorge Amado.É uma Bahia pobre, cheia de becos, problemas, urbana e nada paradisíaca.

Se amar já é uma tarefa complicada por si só, imagine amar a três. Mas o diretor Sérgio Machado não está muito preocupado com números, mas com a confusão que nos rodeia quando um simples sentimento não basta. Mais do que ser sexy, envolvente e bem conduzido, Cidade Baixa é um filme intenso. Que é como a vida deveria ser. Sempre.

Cidade Baixa

Direção: Sérgio Machado

Ano: 2005

Disponível em DVD

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