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SEGURANÇA. Presídios privados no Rio Grande? Até pode ser. Mas modelo estrangeiro, “goela abaixo”, não

A propósito de duas notas publicadas (AQUI e AQUI) no sítio, ambas se referindo à possibilidade, aventada pelo Governo do Estado, de construir e manter presídios através de projetos de parcerias público-privada, recebi interessante correspondência do advogado Bruno Seligman de Menezes.

Em Liverpool: um dos presídios privados “modelo”, que recebeu visita de comitiva do governo gaúcho

Menezes é criminalista, especialista em Direito Penal Empresarial, mestrando em Ciências Criminais, professor de Direito e Processo Penal na Fadisma e professor convidado nos cursos de pós-graduação na Fadisma e na Esmafe. Vale a pena ler o que ele escreve. A seguir:

Prezado Claudemir,

Li tuas notas/posts sobre as PPPs nos presídios, e me somo às tuas preocupações.

Todo os que lidamos com as ciências criminais, e aqui me incluo, como advogado criminalista e como professor de graduação e pós-graudação em Direito Penal e Processual Penal, temos nosso calcanhar de aquiles nesse passivo carcerário produzido, em muito, por esse tempo conhecido por pós-modernidade.

O maniqueísmo fascista do bom x mau; do puro x impuro, comum em discursos do tipo “se está preso, é porque fez algo, então que pague”, aqui não pode ter terreno. E isto se fundamenta sob várias razões, mas a mais relevante delas é que a Constituição Federal assegura – inclusive aos presos, ainda que nossa elite hipócrita e “asséptica” muitas vezes não queira – direito à dignidade de sua vida, aqui compreendida em seus limites mais amplos. Até mesmo a Lei de Execuções Penais – parida no apagar das luzes do regime militar – é clara ao afirmar que o único direito que pode ser subtraído do apenado é a sua liberdade. Nenhum outro!

Dito isto, é absolutamente louvável qualquer movimentação política que busque diminuir a superlotação, e, assim, viabilizar melhores condições aos apenados, visando, última análise, sua ressocialização. É hora de aceitarmos o que Zaffaroni chama de paradigma agnóstico da função da pena, de que os que hoje estão encarcerados não o estão para que nós (“sociedade pura, atingida, humilhada, violentada, blá, blá, blá) os ressocializemos. Não. Estão presos porque queremos/precisamos puni-los. Isto é facilmente explicável pela criminologia, o que demonstra nossa tolerância com crimes que somos potenciais agentes (crimes econômicos, regra geral), e absoluta intolerância com o que somos potenciais vítimas (crimes de violência física, p. ex.).

Desse caráter purificador da pena, não conseguimos nos desprender. O que sempre se alega é que se precisa ressocializar, e para isso os presídios precisam de melhores condições. Por que não podemos aceitar, simplesmente, que precisamos punir com dignidade. A ressocialização é um efeito subsidiário da correta punição. A nossa sociedade, diferente do que se possa conjecturar, não necessita ressocializar ninguém. O indívíduo pode reiterar quantas vezes quiser na prática delitiva, mas terá como consequência uma sanção criminal.

Vamos nos ater, portanto, à busca de uma correta punição. Se não estou enganado, no ano passado, a Zero Hora publicou matéria sobre um “presídio privatizado” em Santa Catarina, em que os presos usavam uniformes, todos tinham sua cama, o cigarro não entrava nos presídios (porque dentro se transforma em moeda de troca) havia tratamento médico e odontológico (inclusive plantão), escola pública, fábrica de pregos para ajudar no custeio dos “benefícios” internos, com parte revertendo para suas famílias. Com isto, os índices de reincidência eram de 7%, contra quase 90% dos estatais. São dados extremamente positivos.

Quais são, então, as críticas a esse sistema?

Penso que as críticas mais comuns, como por exemplo a possibilidade de corrupção e a auferição de lucro por parte da empresa responsável, são as mais frágeis e fáceis de derrubar.

Ora, corrupção é algo que está impregnado em nossa malha social. Não se é ingênuo de crer que o atual sistema carcerário não a tenha – em grande escala – considerando a facilidade de ingresso de drogas, armas, telefones em nossos estabelecimentos. Muitas vezes é mais fácil erradicar situações como esta em uma administração privada, do que em administrações públicas, considerando as estabilidades inerentes à atividade pública. Com relação à auferição de lucro, não me parece errado que uma empresa que preste melhor um serviço que deveria ser bem prestado pelo estado, obtenha, com isto, uma contraprestação.

O que me preocupa, e me preocupa muito, é uma possível relação promíscua do Estado com a administração carcerária. Se cada preso representa potencial ganho para a empresa, podemos estar criando uma verdadeira indústria do cárcere. Não é nenhuma novidade que exista uma verdadeira indústria do controle do crime, e podemos ver alguns políticos que se elegem com essas bandeiras de luta, mas quando isso vira uma verdadeira relação empresarial, sabe-se em qual lado isso costuma estourar.

Para finalizar, é tempo, sim, de pensarmos soluções para este problema. Acho que a realização de parcerias público-privadas pode ser a saída para desafogar essa verdadeira bomba-relógio que é nosso sistema prisional, mas isso deve ser pensado, deve ser discutido com a sociedade, deve, essencialmente ser projetado, de que forma o estado exercerá a correição destes estabelecimentos. Modelo estrangeiro, goela abaixo, não, por favor.

Bruno Seligman de Menezes

 

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Um Comentário

  1. Quem sabe uma pesquisa entre os presos para saber qual a opinião deles?!! seria o máximo de participação não?

  2. Boa reflexão do Bruno. Eu também me preocupo quando a imprensa dá destaque a este tipo de reportagem. Matéria de ZH de ontem traz este tom de parcerias públicos privadas como solução. Representantes do governo do Estado voltaram “impressionados” com uma prisão lá da Europa ou EUA, não lembro. Mas aqui a realidade é outra.Concordo com o Bruno que isso deve ser muito bem discutido com a sociedade.

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