Chapman, Salinger e o Apanhador – por Rogério Koff
Mark David Chapman tinha uma ideia fixa na cabeça e um livro na mão. A história não seria tão triste se na última hora o livro não tivesse sido substituído por um revólver. Mas de fato, aquele jovem de 25 anos tinha mesmo uma ideia fixa. Era apaixonado pelos Beatles, mas sua mente doentia o levava a pensar que somente se matasse um dos rapazes de Liverpool poderia se tornar ele próprio uma celebridade. Infelizmente, estava certo. Durante meses, estudou de forma obstinada as chances de matar Paul McCartney. Depois, pensou no Papa. Muito difícil.
John Winston Lennon, 40 anos, era uma espécie de vítima ideal. Não vivia recluso e dispensava seguranças quando passeava com Yoko Ono no Central Park. Havia permanecido afastado do show business durante cinco longos anos, durante os quais dedicou-se ao filho mais novo, Sean. Lennon levava aquilo que chamamos de uma vida normal, em se tratando de uma celebridade. Na noite de oito de dezembro de 1980, por volta das 23 horas, Chapman o esperou em frente ao prédio onde morava, em Nova York. O Dakota Building tem localização privilegiada, em frente ao Central Park. Nele moraram outros famosos, como Judy Garland (O Mágico de Oz) e Boris Karloff (Frankenstein). Foi também no Dakota que Polanski filmou o sombrio e aterrador O Bebê de Rosemary, em 1967.
Mas voltemos às 23 horas daquele oito de dezembro. Horas antes, Lennon havia autografado para Chapman seu álbum recente, Double Fantasy. Chamou por John e, tão logo o ex-beatle se voltou, Chapman desferiu cinco tiros. Era o fim do sonho. Nunca mais os Beatles estariam juntos e, em dezembro próximo, estaremos lembrando trinta anos sem John Lennon.
O leitor deve estar pensando que estou sofrendo de digressão progressiva. No primeiro parágrafo, falei de um livro. Bem, o livro era O Apanhador no Campo de Centeio, escrito por J. D. Salinger em 1951. Chapman estava obcecado por este texto sobre Holden Caufield, um adolescente revoltado na Nova York dos anos cinqüenta. O assassino bem poderia ter imaginado um campo de centeio onde crianças brincavam. Perto deste campo, deveria haver um penhasco. O papel do apanhador seria o de agarrar as crianças que perigosamente se aproximassem do abismo. O pulo no penhasco era no fundo uma metáfora para o abandono da infância e para a perda da inocência. Chapman achava que era isto o que estava acontecendo a Lennon e que sua missão era impedi-lo. Em resumo, John estaria traindo seus princípios e deixando de ser o rebelde que um dia teve uma causa. Questão de interpretação.
Quanto ao autor, J. D. Salinger, viveu solitário e nunca deu entrevistas, apesar do grande sucesso do seu livro. Morreu em 27 de janeiro de 2010, aos 91 anos. À parte todo o desfecho trágico e a inevitável vinculação com o assassinato de John Lennon, O Apanhador no Campo de Centeio é um livro belíssimo. Empresta pela primeira vez a voz de narrador a um adolescente que detesta a família e os professores e sai perambulando pelo mundo, praguejando contra tudo e todos. Em 1951, antes da contracultura e dos principais movimentos da juventude na segunda metade do incrível século XX.
Ficamos sem Lennon mas a culpa, definitivamente, não é de Salinger. Leiam este livro, como eu fiz quando tinha cerca de vinte anos. É um soco no estômago. Por causa do Apanhador e de todas as circunstâncias que o envolvem, minha vida nunca mais foi a mesma.
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