É verdade que o cara está meio na contramão do pensamento vigente. E, principalmente do que se vê, ouve e lê na mídia. Mas, inclusive pelo que está acontecendo presentemente na Grécia (que, incrível, está recorrendo ao Fundo Monetário Internacional), vale a pena conferir o que ele diz. Vai que ele esteja com a razão, né?
Ah, o cara, no caso, é o professor Osvaldo Coggiola, da Universidade Estadual de São Paulo e que foi entrevistado pelo colega Fritz Nunes (também autor das fotos), para o jornal da Seção Sindical dos Docentes da UFSM. O material que você lê a seguir é a íntegra da entrevista (parte dela, por questão de espaço, acabou subtraída da versão impressa do veículo da Sedufsm, embora esteja disponível no SÍTIO da entidade, no formato PDF). Garanto, vale a pena conferir. A seguir:
“P- Professor Coggiola, o sr. tem falado que a crise econômica deu uma trégua, mas não acabou. Existe um prazo para ela voltar. Qual a sua avaliação?
R- A palavra não seria bem trégua. As crises não estabelecem tréguas. Toda a crise, toda a depressão, passa por momentos de maior agravamento ou de menor agravamento. Agora, o que tem sido feito é a injeção de fundos públicos para a salvação dos capitais falidos. Isso foi conseguido ao custo de um brutal endividamento dos grandes estados capitalistas e da desvalorização do dólar a partir de uma emissão monetária sem precedentes. Então, nós estamos passando de uma fase da crise que foi caracterizado pelo afundamento do crédito privado para uma fase que, em pouco tempo, será caracterizada pelo afundamento do crédito público. Isso será uma fase ainda mais aguda. Não se pode dar datas exatas, mas isso já está acontecendo. Um exemplo, é a bolha dita islâmica, ou seja, o afundamento de Dubai (Emirados Árabes) é uma expressão disto. A crise atual não é igual às precedentes, mas, reconhece os mesmos fundamentos de todas as crises capitalistas. Ou seja, é uma crise de super produção, de desvalorização dos capitais, que se expressa na forma de uma falência generalizada dos capitais, que só conseguem sobreviver na base de uma destruição importante das forças produtivas sociais, a falência de muitos desses capitais, com um processo de concentração de capital, do uso de recursos públicos para salvar o capital, à custa dos trabalhadores, que são os principais contribuintes das finanças públicas e que servem para salvar o capitalismo. Mas, os remédios até agora têm sido paliativos, conjunturais, e não conseguem responder, pois a crise está longe de acabar.
P- Em novembro de 2008, no auge da crise, em entrevista ao Jornal da SEDUFSM, o sr. chegou a dizer que os mercados emergentes estavam sendo “demolidos”. Isso aconteceu ou ainda vai acontecer?
R– Isso já está se verificando. O Brasil, que era considerado líder dos BRICs (sigla que representa os países de rápido desenvolvimento: Brasil, Rússia, Índia e China), passou a ter um déficit comercial e um déficit em conta corrente maior em duas décadas. Então, nós temos uma situação em que isso já está acontecendo. Claro, temos também as altas taxas de crescimento da China e da Índia. Mas, não se deve confundir taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) com desenvolvimento das forças produtivas sociais. Até porque muitas vezes essas taxas de crescimento incluem inchaço artificial e financeiro dos capitais existentes. O que parece é que a China manteve a supervalorização da sua moeda, que está sendo pressionada por ser valorizada pelos Estados Unidos e Europa. O que aquele país tem feito para superar essa situação é tentando desenvolver o mercado interno. O problema é que o mercado interno da China não se desenvolve porque com a queda dos mercados externos, houve aumento no desemprego e toda uma série de elementos da crise mundial que prejudicaram essa possibilidade. Ou seja, a crise se desenvolve seguindo ritmos diferenciados por regiões do mundo. Mas, o que se vê é uma acumulação crescente de problemas. Os dados da conjuntura muitas vezes são extrapolados de forma unilateral. Já se chegou a anunciar que a crise havia acabado. Contudo, a crise continua aí. E o que se chama de queda dos mercados emergentes é um processo que já está em curso no Brasil e na Rússia, e com ritmos menores, chegará ainda a China e Índia, que são os outros dois considerados grandes mercados emergentes. No Brasil, por exemplo, o financiamento de R$ 120 milhões do PAC para obras público-privadas justamente para salvar as empresas brasileiras. Isso significa que aqui temos o mesmo cenário que Europa e Estados Unidos, injetando dinheiro público para salvar empresas.
P- Na sua avaliação, como o Brasil se saiu diante da crise econômica internacional?
R – Na América Latina em geral, houve um retrocesso produtivo, uma queda de crescimento do PIB, mas a crise não se manifestou na sua forma financeira. Ou seja, não houve falência de grandes instituições financeiras como nos Estados Unidos e na Europa. Isso deu a impressão que se tratava de uma “marolinha”. Mas, na verdade houve uma queda do crescimento econômico, um déficit comercial, e principalmente se manifestou no setor dos trabalhadores, com altas taxas de desemprego, sendo que o Brasil já possui uma taxa de desemprego estrutural entre as mais altas do mundo (nas grandes capitais chega a atingir 15%). Portanto, temos uma situação de falência potencial em diversos setores da economia. Possivelmente, o setor de cartões de crédito venha a ser um dos primeiros a manifestar situação falimentar aqui no Brasil. E o fato de o desemprego, no Brasil, aumentar, significa que a crise está sendo descarregada nas costas dos trabalhadores. Mas, isso não significa que a crise já acabou. A política do governo para combater isso será manter ou até incrementar os programas sociais focalizados. Mas, o aprofundamento desses programas é questionado justamente pela situação de déficit comercial e em conta corrente, ou seja, pela situação de crise em que se encontram as contas nacionais. Por isso, o governo pode mantê-los durante um certo período, mas em dado momento não haverá mais dinheiro para expandir esses programas. A ideia seria expandi-los muito nos próximos anos. A tal ponto que, no mundo, se começa a falar numa espécie de modelo brasileiro. Um liberalismo de mercado com sensibilidade social. O Bolsa Família foi proposto por economistas para ser implementado em países com economias em crise, inclusive nos Estados Unidos e Europa. O problema é se esse modelo entrar em crise. Nos Estados Unidos nós já temos o alarme de que 6 milhões de chefes de família não têm renda alguma e vivem dos subsídios governamentais. Mas, no Brasil, que tem uma população menor e uma economia menor que a dos Estados Unidos, o número de desempregados é maior. Portanto, nós temos uma situação em que esse modelo revela toda a sua precariedade. Agora se fala em transformar esses programas sociais em lei, passando assim a fazer parte do arcabouço institucional e constitucional. Porém, isso seria uma medida mais de caráter propagandístico, pois se o número de pessoas beneficiadas não se amplia, mas se reduz e, por outro lado, se o poder aquisitivo dessas forças se reduz em virtude de um processo inflacionário, daí não adianta virar lei. Pode vir a acontecer da mesma forma que o salário-família que os professores recebem em seus contracheques. Alguém com quatro filhos, o valor não supera 1 real. Então, é uma lei social, mas que não vale nada.
P– Em relação à Venezuela. A gente sabe que um dos efeitos da crise foi a queda do preço do petróleo no mercado internacional. E a gente observa, à distância, que a crise tem se ampliado naquele país, com congelamento de preços, entre outras coisas. Como o sr. avalia o quadro vivenciado pela Venezuela? É grave, pode levar a que o ‘chavismo’ seja posto em xeque?
R- Na verdade já há uma crise muito forte nesses países. Eles se beneficiaram, mesmo no período da crise, com a especulação do preço das matérias-primas, como o petróleo e o gás. Só que a fase dos preços altos das comoddities acabou. Houve uma queda abrupta dos preços e com isso caiu muito a renda nacional. Em função disso, nós tivemos uma situação de inflação muito forte na Venezuela, fazendo com que o poder aquisitivo do país caísse bastante. E, agora, para piorar as coisas, está havendo racionamento de energia, coisa que parece absurda num país que produz energia, sendo um dos maiores exportadores de petróleo. E por que isso ocorre? Porque não há infraestrutura, não se investe em infraestrutura.
P- O tempo das vacas gordas teria acabado?
R- Exatamente. O superávit comercial, principalmente, foi usado para que? Para nacionalizações de empresas, que foram feitas através de pagamento, pelo valor de mercado ou mesmo por valores maiores que os de mercado. E em maior medida também foi usado para programas sociais. Mas, se esse superávit tivesse usado em infraestrutura ou se as empresas estrangeiras tivessem sido nacionalizadas sem nenhuma espécie de compensação, a situação seria outra. No período de vacas gordas, (Hugo) Chávez podia manter uma face de bom negociante, de bom pagador perante os Estados Unidos e as empresas estrangeiras e, ao mesmo tempo, investir nas políticas sociais. Agora não vai dar mais. A Venezuela agora vai ter que optar se avança ou não no sentido de expropriar empresas estrangeiras sem compensação e nacionalizar os recursos produtivos. E, principalmente, vai ter que atacar o problema da dívida, pois o país está totalmente endividado. Não uma grande dívida externa, mas uma dívida interna fabulosa. O Estado venezuelano está endividado junto aos bancos privados, nacionais e estrangeiros. Se essa dívida for rolada, pagando apenas os juros e ela se transformar em cada vez maior, pode abrir espaço para a volta da direita, com a ocorrência de mercado negro, desabastecimento nos mercados.
P- E ainda tem a pressão da própria Colômbia, país vizinho.
R– Sim, a Colômbia do lado e uma situação tipo a chilena, em 1973, que tinha forte inflação, mercado negro, desabastecimento, racionamento de energia. E, uma parte da classe média, que hoje apóia as mudanças de Chávez, pode passar para o outro lado, criando a situação de uma ofensiva da direita para recuperar o poder. Essa tentativa de retomada pode ser por um golpe de estado ou mesmo por um golpe institucional, através das eleições. A direita pode usar qualquer um dos instrumentos, desde que tenha certeza que vai dar certo. O processo é bem mais complexo. E agora, por exemplo, temos a questão do Haiti, que está sendo aproveitada pelos Estados Unidos para mandar mais soldados para a região do Caribe. Não devemos esquecer que esses soldados, cerca de 10 mil, estarão em situação de grande proximidade tanto de Cuba como da Venezuela, numa região que já possui sete bases norte-americanas instaladas.
P- Justamente eu iria perguntar sobre qual o papel dos Estados Unidos nesse contexto de crise econômica.
R- Os Estados Unidos sabem perfeitamente que eles não saíram da crise de 1930 (Grande Depressão) através do New Deal (o ‘Novo Trato’ de Rossevelt). Esse acordo foi paliativo e o que fez o país sair da crise foi a guerra (Segunda Guerra Mundial). Está claro que os Estados Unidos estão aproveitando todos os acontecimentos para criar cenários do tipo bélico. Disseram que se retirariam do Iraque, mas até agora não se retiraram e ainda incrementaram a presença no Afeganistão. Então, no caso do Caribe, se antes era a Minustah, agora os Estados Unidos terão uma presença direta. Também incorporaram as bases militares na Colômbia. Por isso, temos uma situação em que as tendências belicistas do imperialismo norte-americano vão crescendo em função da própria crise.
P- Em relação ao governo George W. Bush é possível afirmar que houve mudança de filosofia do governo de Barack Obama?
R- Mudou no sentido de que antes o governo dos Estados Unidos estava ficando isolado. A invasão do Iraque estava sendo muito criticada e eles tinham que criar um clima político ao estilo da Segunda Guerra Mundial. Só que não existe o Nazismo e nem existe o Comunismo. O inimigo seria o terrorismo ou os desastres naturais como no Haiti. Ou ainda os nacionalismos anti-imperialistas que os norte-americanos chamam de “totalitários”, como Chávez e Evo Morales. Mas é extremamente difícil comparar Chávez e Evo Morales com Hitler e Mussolini. Não somente não é a mesma coisa, mas mesmo que fossem nazistas ou fascistas, uma coisa é o Nazismo na Venezuela, outra coisa é o Nazismo na Alemanha. No caso da Alemanha, os nazistas eram um perigo mundial. No caso da Venezuela, não há a mínima condição de convencer o mundo de que Chávez representa uma ameaça mundial. Mesmo porque, se Chávez ou Evo Morales fossem “Hitler” ou “Mussolini” na Venezuela e na Bolívia, representaria algum período para os países andinos, e mesmo assim, perigo relativo, pois as forças militares são escassas. Mas, a debilidade militar desses países joga contra os Estados Unidos, pois a opinião pública sabe as diferenças de força entre esses países. Não se pode fazer uma guerra em grande escala contra a Venezuela, Bolívia ou mesmo contra o Afeganistão. O Talebã pode ser qualquer coisa, mas não representa de forma alguma uma ameaça mundial.
P- O sr. tem dito que os capitalistas não têm uma solução para a crise que assolou e ainda causa estragos na economia mundial. Contudo, também enfatiza que os trabalhadores também não possuem essa solução. Qual seria o caminho então?
R- Os capitalistas nunca têm uma solução para a crise. A solução, em geral, como aconteceu na crise de 30, em que os capitalistas se dirigiram conscientemente para a guerra porque sabiam que era a única solução para a crise. Mas isso foi acontecendo devido a uma dinâmica que escapa em grande medida ao controle dos capitalistas. E (a guerra) acabou sendo a saída capitalista para a crise. Uma saída extremamente custosa, até para eles, pois custou ao mundo um retrocesso econômico e social espetacular. Por outro lado, no movimento dos trabalhadores, não existe atualmente nenhum tipo de unidade política, nenhum projeto alternativo. O máximo que existe do ponto de vista do que seria uma esquerda que teria propostas mundiais é o Fórum Social Mundial e coisas desse tipo, das quais certamente existem pessoas com boas intenções, mas que evidentemente não se constituem em nenhuma alternativa política. No máximo propõem soluções parciais para os problemas, mas não se estruturam como uma alternativa anticapitalista baseada entre os trabalhadores e em escala internacional. Isso não existe. Os trabalhadores não existem enquanto força política independente em escala internacional. Agora isso não significa que não existam tentativas, que não existam debates. Que não exista um acúmulo político. O que é necessário é retomar essas discussões.
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O candidato do PSB, Ciro Gomes, disse semana passada que o Brasil pode sofrer uma crise cambial e fiscal em um ou dois anos? Será?