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O aborto da mulher pobre. E o aborto da mulher rica – por Débora Dias

“A parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos.” (Platão)

Art. 124 – Provocar Aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Esta é a tipificação do crime de aborto segundo a nossa legislação penal, especificamente o aborto provocado pela própria gestante. O artigo está inserido dentro do capitulo Dos Crimes Contra a Vida.

O assunto é polêmico. O número de mortes de mulheres causadas por abortamentos (provocados ou não) no Brasil não é pacífico, mas se sabe que mulheres morrem devido a problemas ocasionados por complicações em abortos “domésticos” ou “clandestinos”.

Gosto de deixar claro que respeito muito posicionamentos contrários, bem argumentados. Entretanto, devemos discutir o problema diante da realidade, deixando de lado hipocrisias, falsos moralismos e até mesmo crenças (embora estas devam ser respeitadas). Então, o que está acontecendo no Brasil?  Mulheres estão morrendo em decorrência de abortos clandestinos. Esclarecendo: mulheres pobres estão morrendo em decorrência de abortos clandestinos. Sabemos que mulheres com condições econômicas favoráveis realizam o procedimento com a devida assistência médica. Médicos que realizam abortamentos ilegais ganham muito dinheiro e não pagam imposto de renda, óbvio!

Dizer que o aborto é mais do que uma questão criminal, é uma questão de saúde pública, é também admitir que somos falhos em prevenção, em planejamento familiar, em distribuição e educação de métodos contraceptivos.  Não vou questionar aqui, no momento, esses “fracassos” porque renderia outro ou outros artigos com certeza, como tudo que o “descontrole” de natalidade traz como conseqüência.

A realidade é que as mulheres ficam grávidas sem querer, sem poder e em última análise elas é quem vão arcar com todas as conseqüências; por isso, quando o fato está consumado devem ter assegurado o direito de realizar o aborto sem serem tratadas como criminosas. Não sou assassina de criancinhas, mas não posso fechar meus olhos face aos fatos.

Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, são praticados mais de um milhão de abortos no Brasil. O juiz de Direito José Henrique Rodrigues Torres, professor de Direito Penal da PUC-Campinas, a legislação repressiva-punitiva tem acarretado um significativo impacto negativo para a vida das mulheres, especialmente para aquelas de baixa renda, que destituídas de outros meios e recursos são obrigadas a prosseguir na gravidez indesejada ou sujeitam-se à prática de abortos em condições de absoluta insegurança.

Semana passada, interrogamos em uma das delegacias que trabalho uma mulher que confessou ter praticado aborto. A notitia criminis através de denúncia anônima. Ela disse que já tinha um filho, que o marido estava preso e que não podia ter mais filhos. E agora? Além da confissão, há materialidade do delito, indícios probatórios suficientes para indiciamento, provavelmente para denúncia e pronúncia. Enfim, a mulher vai ser julgada pelo tribunal do júri. E aí? Aí que muitas coisas me passaram pela cabeça naquele momento, como por exemplo, como condenar aquela mulher, embora sua conduta seja típica.

A lei existe, temos que cumpri-la. Mas e tantas outras que fazem aborto em clínicas bem abastecidas de recursos médicos e materiais, que jamais chegarão ao conhecimento das autoridades? Claro que isto não justificaria a não aplicação da lei, porque ela está vigendo; o que questiono é a intervenção do Direito Penal em casos como esses.

Há um tempo li em um jornal da cidade, uma reportagem sobre o aborto; quem era contra, quem era a favor, etc. Mas o que me chamou a atenção foi o fato de uma mulher que era a favor do aborto e manifestou sua opinião teve como destaque embaixo de sua fotografia e nomes o seguinte: “comunista é a favor do aborto”. E, se não me engano quem escreveu a matéria foi uma jornalista. O destaque foi para “a comunista”, não para a opinião muito bem fundamentada da mulher.

Ainda, fiquei muito decepcionada com a nossa Presidente Dilma Roussef quando voltou atrás em seu posicionamento quanto à questão do aborto, embora não seja inocente a ponto de achar que ela fosse agir de forma diferente e mesmo que entenda seus motivos. Porque se ela dissesse que era a favor do aborto, fatalmente perderia as eleições. Já não estavam dizendo que ela comia criancinhas? Pois é. Mas, mesmo assim, fiquei decepcionada. Acho que temos que deixar de ser hipócritas.

Pesquisa realizada ano passado pela Universidade de Brasília e pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (instituto Anis), usando-se a técnica da urna, concluiu que 60% das mulheres fizeram aborto entre 18 e 29 anos, sendo o pico de incidência entre 20 e 24 anos de idade. A pesquisa foi publicada na Revista Ciência & Saúde Coletiva, editada pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco).

Depois das considerações acima, deixo apenas reflexões para todos nós, sobre a realidade brasileira, sobre crime, sobre crenças, sobre respeito, sobre direitos iguais a todos não apenas formal, mas materialmente.         

Acessos:

  1. http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v7n3/1408.pdf

      2.   http://admin.paginaoficial1.tempsite.ws/admin/arquivos/biblioteca/abortonobrasil.doc7478.pdf  

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2 Comentários

  1. Uma legislação que condena criminalmente quem faz aborto não está funcionando na prática: mulheres ricas se salvam e mulheres pobres morrem. Mas, todas continuam abortando, mesmo quando é proibido.

    Por outro lado, se queremos liberdade, democracia e um povo consciênte e responsável, vamos ter que construir uma sociedade onde cada indivíduo seja responsável pelas suas escolhas. Somente assim, o povo vai se tornar mais maduro. O estado não precisa mandar nas pessoas, elas precisam mandar em suas vidas.

    Eu já vi vários casos de filhos felizes na vida, graça ao pai de cada um deles, que defendeu com firmeza essa gravidez, enquanto a mãe queria abortar. Penso que a nova legislação deva defender também o direito do pai de falar, de se pronunciar. E o interessante é que nesses casos que mencionei, hoje, todas essas mães adoram esses filhos, sobrevivêntes do aborto.

    Por outro lado, uma mulher fica grávida também pela responsabilidade do pai da criança, e este também tem direitos, ele não pode ser discriminado. O pai também tem sentimentos.

    Quando o sexo é uma escolha consciente de ambos, a responsabilidade é também de ambos sobre uma gravidez, e os deveres precisam vir acompanhados também de direitos iguais sobre essa gravidez. Já no caso de violência, é para ser julgado de forma especial.

  2. Penso que ninguém precisa dar palpites sobre o que as mulheres fazem quando ficam grávidas, a não ser o pai dessa criança. Ele sim precisa ser ouvido. Ele também poderá estar “gravido” emocionalmente, poderá estar envolvido. Que não seja crime, mas, que o pai também tenha o direito de decidir. Podem até existir inúmeros casos onde o pai não quer nem saber, mas, não devemos fazer uma nova legislação apoiados apenas nisso. Se o pai é ouvido e não se importa com isso, a mãe poderá decidir, e se ele se importa e quer assumir essa paternidade e defender o direito à vida do seu filho, neste caso, a mulher poderá até entregar a ele seu filho para ele criar, e não terá qualquer responsabilidade sobre ele, mas também, não poderá fazer o aborto.

    E uma nova legislação precisa vir acompanhada de um programa forte de educação sexual, todas as condições para que as pessoas não fiquem grávidas, para que tenham acesso fácil a materiais e informação que ajudem a evitar a gravidez, e total segurança para as mulheres de todas as clases sociais, sem discriminação.

    Essa é minha humilde opinião.

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