Coluna

Ao coração do Brasil – por Bianca Zasso

Surpreender é um dos melhores verbos que existem. Sentir que algo nos pega sem aviso e nos leva por caminhos que nunca sonhamos conhecer, é uma sensação incrível, na vida e na arte.

A 51ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro conjugou este verbo desejado várias vezes, especialmente em suas mostras paralelas. Uma das mais disputadas, a Caleidoscópio, movimentou o Museu da República na capital federal com produções inovadoras no conteúdo e na forma. Entre elas, o colorido, terno e emocionante Inferninho.

Dirigido pela dupla cearense Guto Parente e Pedro Diógenes, o longa causa estranheza a quem está acostumado a um cinema onde até os becos mais escuros e perigosos são retratados de forma higiênica. A protagonista da nossa história é Deusimar, que nasceu Dennilson, mas isso pouco importa. Aliás, não há julgamentos de gênero e sexualidade em Inferninho.

No bar que dá nome ao filme, propriedade de Deusimar, habitam os mais insólitos tipos, a começar pelo garçom fantasiado de coelho (que se chama Coelho, aliás), a faxineira Caixa Preta e os clientes que usam de máscara do Darth Vader à maquiagem de palhaço. A câmera pousa sobre cada um com naturalidade, reforçando ainda mais a empatia e a curiosidade do público com os personagens.

Deusimar é sonhadora e quer conhecer o mundo, mas a chegada de um marinheiro, Jarbas, abala seus objetivos. O homem que tinha um amor em cada porto, rende-se e passa a ajudar Deusimar em seu empreendimento. Até o dia que sua vida passa a correr risco, já que Jarbas fugiu do navio onde trabalhava.

O surgimento de uma proposta de compra do Inferninho por uma grande empresa, desperta o desejo de descoberta em Deusimar, que fica disposta a abandonar tudo para seguir para bem longe ao lado de seu amado. Esta é a sinopse mais simples que Inferninho poderia ter, já que sua magia está nos detalhes que não cabem nas poucas linhas destinadas ao nosso cinema na programação dos cinemas.

A direção de arte, assinada por Ramirez Gurgel e Daniel Muskito, é repleta das luzes e cores típicas dos locais decadentes e reforça a atmosfera de fábula do longa. Yuri Yamamoto é a joia rara do elenco, construindo uma Deusimar doce e, ao mesmo tempo, firme em suas decisões.  Samya De Lavor encanta como a cantora desafinada Luizianne, que interpreta versões românticas de bandas clássicas do forró cearense.

E como iniciamos este texto falando de surpresa, a de Inferninho chama-se Rafael Martins. O seu Coelho protagoniza uma das mais emocionantes e singelas cenas do cinema brasileiro atual. Nunca alguém vestido de coelho branco provocou tantas lágrimas.

Inferninho ainda não tem data de estreia e, infelizmente, deve ocupar poucas salas, um dos destinos mais certeiros para o cinema feito fora do eixo Rio-São Paulo e sem o respaldo de grandes produtoras. Se estivesse entre os selecionados da Mostra Competitiva, em Brasília, com certeza teria mais visibilidade. Mas isso não será empecilho para que a história de Deusimar e sua trupe chegue em nossos corações.

O espectador brasileiro precisa de mais fantasia e menos preconceito. Se souber que Inferninho irá passar na sua cidade, assista. É a nossa língua, são os nossos corpos, a nossa diversidade e a nossa loucura na tela. E reconhecer-se é surpreender-se.

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