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O contestador carinhoso – por Bianca Zasso

Peço licença aos leitores desta coluna que vêm em busca de dicas de filmes e curiosidades sobre o cinema para fazer um texto um pouco diferente hoje. Na última quinta-feira, o Brasil perdeu um de seus cineastas mais importantes e participativos. O gaúcho Carlos Reichenbach nasceu em Porto Alegre, mas escolheu São Paulo para viver ainda na juventude. A metrópole não era só seu lar, mas também o cenário das histórias que ele criava.

Foi cineclubista, acreditava no poder do cinema e na capacidade que a arte tem de mudar idéias, de tirar as coisas do lugar, instaurar o caos em nome da paz. Foi produtor, diretor, fotógrafo e professor. Ensinou muita gente a fazer cinema. Mais do que isso: ensinou a essência do cinema para todos que, algum dia, já tiveram diante dos olhos um filme seu.

Na quarta edição do festival Santa Maria Vídeo e Cinema, realizada em 2005, Carlão, como era conhecido, recebeu uma homenagem mais do que merecida. Tive a oportunidade de conhecê-lo e conversar com ele. Sua figura imponente, sua voz grave e sua cara de mau me intimidaram. Mas bastaram algumas palavras para descobrir que um dos melhores diretores do Cinema Marginal era um homem carinhoso, apaixonado por seu trabalho e um entusiasta nato. Incentivo é uma boa palavra para definir nossa pequena conversa. Sem pose de estrela, sem discurso inflamado, Carlão ganhou ainda mais a minha admiração depois daquele dia.

O tão citado Cinema Novo, que revolucionou a linguagem dos filmes feitos no Brasil na década de 50 estava presente na obra de Reichenbach. Isso porque o Cinema Marginal, também chamado Boca do Lixo, foi tão ou mais importante do que o Cinema Novo e trouxe um fôlego para nossas produções, apresentando ao público o lado mais negro da nossa sociedade de uma forma bem-humorada, violenta e, como Carlão gostava de dizer, subversiva. Uma catarse para tentar superar a ditadura.

 Jamais vou esquecer minha primeira sessão de Anjos do Arrabalde, meu filme preferido do Carlão.  Havia ali uma linguagem única, um retrato daqueles tempos difíceis, nenhuma gota de pieguice ou melodrama, sem mocinho, sem bandido. Todo mundo é um pouco mal, um pouco bandido, um pouco vadio. Heróis imperfeitos, mas nem por isso menos heróis. Liliam M: Relatório Confidencial,  A ilha dos prazeres proibidos, Alma Corsária e Garotas do ABC vieram na sequência, confirmando o talento para romper barreiras que era uma segunda natureza de Carlão.

No dia de seu aniversário de 67 anos, Carlos Reichenbach nos deixou. O cinema perdeu não só um realizador criativo e inteligente. Perdeu também um pouco da graça e da ternura. Espero que as novas gerações não esqueçam a importância do Cinema Marginal e valorizem esses filmes que falam muito sobre o que é o nosso povo. Sem maquiagem, sem frescura e sem pudor.

A humanidade tem medo da liberdade, porque a liberdade é a coisa mais subversiva que tem – Carlos Reichenbach

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