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Linda, loira e só – por Bianca Zasso

Falecido no mês de junho, o cineasta brasileiro Carlos Reichenbach era, antes de tudo, um cinéfilo. Seus filmes são cercados de referências a outros filmes, sejam os clássicos de Fellini ou as produções do companheiro de cinema marginal Ozualdo Candeias. Há também citações de pintores, escritores e de outros filmes produzidos por Carlão, apelido pelo qual o diretor ficou conhecido entre os amigos e os fãs.

As personagens femininas criadas pelo diretor são mulheres fortes, batalhadoras, com uma garra que tem um pé no universo masculino. Mas é apenas um pé. Com a unha pintada de vermelho, diga-se de passagem, já que Reichenbach acreditava e valorizava a feminilidade acima de tudo.

Falsa Loura, lançado em 2007, contém todas as coisas nas quais Carlão acreditava. Filosofia, honestidade, inocência, amor, sexo e música. Ao narrar à trajetória da operária Salimara, interpretada pela jovem atriz Rosanne Mulholland, o filme segue um ritmo simples, permeado por textos do filósofo Sócrates focados na sua famosa tese sobre a inseparabilidade entre dor e prazer.

Essas duas sensações permeiam a vida da protagonista em diferentes doses, a ponto de cegar seus olhos para as suas verdadeiras vontades. Salimara tem um emprego que paga mal e sua principal diversão é ir até o clube da cidade para dançar com as amigas, todas também operárias de uma indústria têxtil como ela. Não bastassem a grana curta e a falta de oportunidades, a garota ainda precisa lidar com um pai que tem problemas com a lei.

Vida dura. Porém, Salimaraganha um status diferente entre suas amigas após se envolver com Bruno, o líder de uma banda de sucesso. De simples operária, ela passa a ídola, já que conseguiu conquistar alguém rico e famoso. Salimara não é boba e sabe que não há amor entre ela e Bruno. Mas isso não é motivo para não sofrer. A garota vive dividida entre curtir os luxos que sua relação com Bruno lhe proporciona e assumir suas responsabilidades de trabalhadora da fábrica.

Dor e prazer outra vez na tela. Não é só em Salimara que elas se misturam. A personagem vivida por DjinSganzerla, filha do saudoso cineasta Rogério Sganzerla, é o patinho feio transformado em cisne que descobre, da pior maneira possível, que maquiagem e roupas novas não resolvem seus problemas.

Todos os personagens de Falsa Loura são verossímeis, inclusive o deslumbrado Bruno interpretado com talento por Cauã Reymond. Mas até a vida tem seus momentos mágicos. Os sonhos que Salimara tem com o cantor romântico Luís Ronaldo são dignos de contos de fada, com direito a canções ao luar e vestido longo.

Quando surge a oportunidade de se aproximar de seu outro ídolo, Salimara está diferente. Sai a atração fatal pelo astro do pop e entra a gentileza de um homem maduro que, em suas canções, fala o que todas as mulheres querem ouvir. Parece um sonho, mas a dor e o prazer estão lá, ácidos e sedutores como sempre. Será mais um desafio para Salimara e mais uma cicatriz em sua história.

Falsa Loura comove até quem está longe da realidade das operárias do ABC paulista porque trata suas personagens, acima de tudo, como mulheres. Um feminino que vai além do decote e da tinta no cabelo. Salimara, quando vista de longe, é como qualquer outra menina loira e linda. Pela lente de Reichenbach, ela é loira, linda e só, acometida de um tipo de solidão disfarçada com champanhe, beijos e histórias picantes sobre alguém famoso. O tom platinado de Salimara pode até ser falso, mas sua dor e seu prazer são verdadeiros.

Falsa loura

Direção: Carlos Reichenbach

Ano: 2007

Disponível em DVD

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