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Dançar para viver – por Bianca Zasso

A bailarina é a mais feminina das mulheres. Os passos do balé clássico realçam as formas do corpo e a delicadeza é indispensável. Toda essa suavidade, por mais bela que seja, causa momentos de tédio. Em meio a tantos ritmos acelerados e dançantes, fica difícil ficar com o quadril no lugar e a coluna ereta. Esse tipo de liberdade não é permitido a quem escolhe o balé como razão de viver. Para libertar bailarinas é que existem filmes como Flashdance.

Lançado nos cinemas em 1983, o longa dirigido pro Adrian Lyne é sempre mais lembrado por sua trilha sonora pop do que por seu roteiro. Canções como What a feeling, He’s a dream e Gloria estão presentes até hoje nas pistas de dança. Mas Flashdance não é só música. É dança também. Não só aquela executada nos palcos, mas a que a gente dança todos os dias, na vida. A protagonista Alex, interpretada por Jennifer Beals, trabalha como soldadora durante o dia e como dançarina em um bar à noite. Um paradoxo encantador.

Por baixo dos moletons largos e casacos masculinos, vive um corpo escultural de bailarina, que ela mantém com uma dieta nada comum e exercícios improvisados. As coreografias criadas por Alex seguem o instinto e não a técnica, exalando em cada movimento o estado de espírito da garota. Mesmo com essa liberdade toda, o sonho de Alex é entrar para o balé da cidade, trocar o rebolado sedutor pela precisão do equilíbrio na ponta da sapatilha.

Nos anos 80, o gênero musical passou por uma reviravolta. Saíram de cena as histórias de amor, os figurinos grandiosos e as coreografias com centenas de bailarinos para que a tela fosse invadida por histórias de adolescentes comuns, que buscam seu lugar no mundo através da música. Footloose e Dirty Dancing são bons exemplos disso.

Flashdance se destaca por falar da dança como elemento libertador não da sociedade ou da família, mas daquela liberdade inexplicável, que é quando a nos libertamos dos nossos próprios fantasmas. Alex teme e deseja a vida disciplinada de bailarina, mas também sabe que ainda tem muito que provar da vida comum, tão encantadora quanto uma apresentação de O lago dos cisnes.

Ao contrário de Cisne Negro, de Darren Aronofsky, que mostra a cobrança excessiva que leva uma bailarina à beira da loucura, Flashdance mostra uma menina que quer se domar em busca de um sonho, mas que tem contas para pagar. Dançar num bar não é o desejo de Alex, mas é o caminho que ela encontrou para ganhar dinheiro e não perder o contato com a dança.

A imagem da bailarina delicada, intocável e disciplinada não existe em Alex. Talvez por isso sua dança nos toca tanto. É o retrato de todos que dançam pelo amor ao movimento. Alex perde as forças, é agressiva, exagera, erra, ama. É gente, carne, osso, alma e sentimento, como diria Adriana Falcão.

A cena final de Flashdance, uma das mais imitadas do cinema dos anos 80, é a prova de que mesmo aquela menina com curvas, cabelo rebelde e que mistura hip hop, rock e balé clássico merece também ter o seu lugar entre os grandes bailarinos. Porque a perfeição é chata, e mais importante que viver para dançar, é dançar para viver. No ritmo que vier.

*Este texto é dedicado às queridas bailarinas Daniela Nascimento e Pâmela Ferreira Fantinel.

Flashdance

Ano: 1983

Direção: Adrian Lyne

Disponível em DVD e Blu-Ray

 

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Um Comentário

  1. Como sempre, delicioso de ler, didático e instrutivo para os leigos.
    Dedicatória justa para a Daniela Nascimento, uma lutadora em prol da dança há muitos anos.
    Beijo !

    James Pizarro

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