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O espelho – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa

O espelho, em nossas vidas, é um objeto absolutamente comum. É um lugar comum visitarmos periodicamente o espelho. Sem sombra de dúvidas é um aparato provindo da Ciência e da Tecnologia que se instituiu como um elo entre nós e nossos fazeres no dia-a-dia. O espelho tem a idade da humanidade na superfície do planeta terra. O espelho d’água criou historicamente a figura mitológica de Narciso.

Usamos o espelho para tirar os indesejados pelos que insistem em nos acompanhar pela trajetória histórica da vida. Quem possui cabelo reflete no espelho o lugar que deseja leva-lo. No cabeleireiro, ficamos maravilhados com as transformações estéticas que, em movimento, vislumbramos ocorrer através da mágica de uma tesoura.  O espelho espelha o mais lindo dos lábios e o batom que lhes confere brilho e um maravilhoso entorno estético.

Quando adolescente usamos o espelho para nos aborrecermos com as montanhas de espinhas que forma-se em nossa face. Quão irritante torna-se nosso olhar, no espelho, quando, na juventude, vislumbramos as “crateras” que sobram, em nossa tez, quando se espreme um mísero e solitário cravo. O espelho é um instrumento, de uso cotidiano, que é capaz de nos causar idiossincrasia.

O espelho reflete aquilo que não queríamos ser. Reflete aquilo que, muitas vezes, não somos. Diante do espelho somos capazes de nos despir. Quem de nós já não olhou desconfiado para o solitário espelho. Na cotidianidade a maioria dos humanos é, na prática do espelhar, um Anti-Narcizo. Amam-se profundamente, mas não gostam das imagens refletidas.

O espelho é um objeto material que na maioria das vezes reflete um mundo de coisas imateriais. Reflete conceitos e idéias. Diante do espelho sublimamos e emancipamos as coisas que dizem respeito aos escombros e os porões da alma. No espelho vislumbramos nossa alma gêmea.

O mito do amor platônico e sua procura eterna esta ali na imagem refletida. A cara metade não está distante de nós. Nosso movimento permanente de busca é na verdade a procura daquilo que deixamos se perder no pragmatismo do dia-a-dia.

Muitas vezes, no cotidiano, perdemos a beleza que esta contida no simples, sutil e efêmero.  Somos casulos que circunscrevemos e absorvemos, tão somente, a solidão e a dor. Por formação religiosa, historicamente, somos adestrados para o trágico. A angustia se apossa de nós quando pensamos no despótico poder do destino. O espelho é testemunha do inexorável perene fluir do tempo. Nele vamos virando quadros com fotografias amareladas penduradas em infindáveis paredes vazias. Pelo aprendizado das relações sociais, temos vergonha de escancarar, através de nossos corpos, a alegria. Temos vergonha de sorrir de forma espontânea e verdadeira.

Criamos instrumentos mentais que possuem medo, ojeriza e vergonha de tudo a quilo que é ou parece roto. Nossa aversão ao roto acoberta o universo repleto de vazios que estão contidos e incrustados em nossas almas.

Adornamos nossos corpos com cristais e ouro para camuflar a petrificação e coisificação de nossos conteúdos interiores. Nós humanos temos a nefasta ilusão que nossos tacos altos podem vivificar máscaras capazes de disfarçar a pequenez de nossos espíritos.

O grande Machado de Assis, em seu conto ‘O espelho’, já alertava que entre a alma interior que diz, verdadeiramente quem somos e, a alma exterior, que emana nosso ser de convenções sociais, optamos pela segunda e, atravessamos a vida representando e negligenciando nosso “Eu” verdadeiro. Optamos por viver sob a égide das teias e amarras das convenções sociais.

No espelho não. Lá está, solitariamente, a inexorável relação de minha imagem com quem sou. O espelho tem a possibilidade concreta de espectrar as múltiplas facetas que dizem respeito às condições do humano. Não é nada fácil fazer a opção correta. Para buscar a sanidade de nossa relação com os outros e com nossas vidas, torna-se imprescindível que deixemos emanar a alma interior. Caetano Veloso, na música Sampa, afirma de forma poética: quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto/chamei de mau gosto o que vi de mau gosto, mau gosto/é que Narciso acha feio o que não é espelho.

Entre o passado e as geadas que vão povoando nossos telhados, devemos fincar nossos pés no perene fluir da vida. O espelho é capaz de refletir nosso ser e sua histórica relação com o tempo.

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