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As minhas boas pautas – por Daiani Ferrari

Eu trabalho em um Tabelionato de Notas. Sou jornalista, mas trabalho em um Tabelionato. Não foi fácil sair da minha zona de conforto e trabalhar em algo que eu não sabia exatamente o que se fazia. Mas, encarei o desafio, por vários motivos que não é necessário esclarecer aqui. Trabalhamos, diariamente, com os mais diversos tipos de pessoas. Do mais abastado ao mais humilde. Recebemos problemas e demandas de pessoas de todas as faixas etárias, do bebê cuja mãe quer que ele seja reconhecido como filho pelo pai ao senhor mais idoso que só quer assegurar que sua família fique amparada no momento em que o mesmo faltar. Minhas principais obrigações são o reconhecimento de firma e a autenticação de documentos, necessidade que se você ainda não teve, um dia terá, irá a um cartório e encontrará pessoas que fazem o que eu faço.

Dessa nova profissão, o que mais me chama a atenção é o número de pessoas analfabetas que passam no Tabelionato diariamente. São pessoas de todos os lugares da cidade, com ou sem dinheiro. Pessoas que desistiram de estudar para trabalhar, ou não tiveram oportunidade, e algumas com descendência alemã que só conhecem o idioma alemão. Sempre ouço que muito dessa população que só conhece o alemão se formou em decorrência de vários fatores, entre eles a Segunda Guerra Mundial, período no qual os alemães eram perseguidos e acabavam se escondendo no campo e formando grupos isolados, que renegavam a língua portuguesa e a cultura do nosso país. É uma realidade que não combina muito com os dias de hoje, mas está muito presente aqui.

Para que uma pessoa tenha sua assinatura reconhecida como autêntica é necessário que ela seja alfabetizada, em português, o que garantirá que ela saiba o que está confirmando no documento. É lei. Em certas ocasiões, temos que nos certificar de que ela realmente sabe ler, o que pode ser feito a partir de uma declaração de próprio punho ou da leitura de algo, um jornal, por exemplo. Às vezes, eles têm vergonha de dizer que não sabem são alfabetizados, ficam enrolando para ler ou escrever algo e essa é a parte difícil.

Como fazer com que esse cliente leia ou escreva algo sem lhe causar constrangimento? É uma pessoa que merece respeito como qualquer outra que esteja no balcão aguardando atendimento. Como vou tratar diferente (ou destratar) um senhor de quase oitenta anos que talvez tenha se preocupado somente com o trabalho para que as próximas gerações da família tivessem o que ele não teve? Por isso, mais importante que a técnica, é o jogo de cintura para trabalhar sem ofender e sem ferir sua cultura e seu modo de vida. Quando me perguntam sobre o que considero essencial em uma profissão, digo tranquilamente que é a gentileza para tratar com as pessoas. Trabalhar com o público nos exige isso, não para parecer uma “boa menina” ou ganhar o título de funcionário do mês, mas para poder esperar gentileza quando a atendida for eu.

Como nas pautas jornalísticas em que temos aquela sensação boa de ter ajudado a quem precisava, é bom atender um vovozinho que antes de ir embora diz “muito obrigada, minha filha, e tenha um bom trabalho”, ou que com um sorriso no rosto agradece por ter sido tratado com respeito e não ter sido julgado por não saber ler. Em um Tabelionato, onde uma jornalista trabalha, esses momentos são as minhas boas pautas.

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3 Comentários

  1. Dai, amei o texto! Acho que as tuas duas profissões têm muito em comum: respeitar os limites e os sentimentos das pessoas, saber ouvir… muitas vezes, nas pautas do dia a dia, nos deparamos com situações como estas das pessoas que não sabem ler. E temos a obrigação de tratá-las igualmente ao doutor (com doutorado, que fique claro).
    Claudemir, agora vou ler mais seguido teu site! 😉
    Beijos.

  2. Bom texto, Dai e excelente retorno! Realmente, sair da zona de conforto, assumir uma atividade profissional totalmente diferente da que é de formação, é um desafio e tanto. Porém, no caso do jornalismo, se for encarado como a arte de contar boas histórias, acho que, em qualquer atividade, não estamos tão longe desta profissão. Reforço o que te disse uma vez: teu dia a dia no cartório rende um livro de crônicas e dos bons.

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