Duas feras e uma ideia – por Bianca Zasso
Uma das tarefas mais complicadas que uma equipe de cinema pode ter é arriscar-se na aventura de refilmar um clássico. O diretor sempre se vê dividido entre imprimir a sua marca pessoal na produção ou manter-se fiel aos detalhes que tornaram a versão original um sucesso. As alternativas para esse “problema” são as mais variadas. Tim Burton modificou o final da primeira versão de A fantástica fábrica de chocolate, Michael Haneke recriou plano a plano seu próprio filme, Violência gratuita, para lançar-se no mercado americano e Todd Haynes cometeu o pecado de mexer em uma obra-prima. O seu Psicose, lançado em 1998, é uma heresia sem tamanho.
Porém, quando a oportunidade de filmar novamente uma história dá ao diretor uma liberdade que gera uma nova ideia, tão interessante quanto a que lhe deu origem, o que fazer? O diretor Paul Schrader tem uma boa resposta. A marca da pantera, lançado em 1982, é um filme inebriante. A mistura de erotismo, drama e terror que Schrader usa para contar sua história atraiu o público para as salas de exibição e o filme ainda foi indicado aos prêmios de melhor som e melhor trilha sonora no Globo de Ouro.
O que pouca gente sabe é que A marca da pantera foi inspirado num grande clássico do cinema de horror, o filme de 1942 Sangue de pantera, do diretor Jacques Tourneur. Mas a única semelhança entre o filme de Schrader e o de Tourneur é o fato de suas protagonistas se transformarem em panteras quando estão excitadas. Mais nada. Schrader se valeu dessa premissa e do título (no original, ambas as produções se chamam Cat People) para criar um filme novo, que transborda seu estilo único de criar imagens psicodélicas e sensuais, na sua maioria protagonizadas pela bela atriz Nastassja Kinski.
A marca da pantera conta a história de Irena, uma jovem que, após muitos anos vivendo sozinha e isolada, vai morar com o irmão pastor, vivido por Malcolm McDowell. Ao conhecer um jovem cientista, Irena se apaixona e começa a lidar com uma maldição: toda vez que se sente atraída por alguém, ela se transforma em uma pantera.
Ao contrário do que acontece em Sangue de pantera, o animal que causa todos os problemas de Irena aparece em várias cenas, com direito a uma transformação que lembra muito a do filme Um lobisomem americano em Landres, de John Landis . Tourneur e seu produtor Val Lewton (um dos percursores no investimento em filmes de horror psicológico) se valeram da máxima de que quanto menos o monstro é conhecido, mais medo ele causa. Lembram-se de Tubarão, de Steven Spielberg? É a mesma ideia.
A presença de canções de David Bowie na trilha sonora acentuam o clima surrealista do filme, que fica claro desde sua sequência de abertura, ambientada no tempo das cavernas e com uma fotografia alaranjada e misteriosa. O clima continua no mesmo ritmo durante a transformação de Irena em pantera, um ritual cheio de etapas, uma mais colorida e impactante que a outra.
Levando em consideração a censura na época do lançamento de Sangue de Pantera, o principal tema dos dois filmes é a repressão sexual da protagonista. Ao contrário dos outros filmes de terror, em que a maldição vem de uma feiticeira ou de um alienígena, o causador do mal em A marca da pantera é o sexo, mais precisamente a incapacidade que Irena tem de lidar com sua sexualidade incontrolável.
Assistir a Sangue de pantera e A marca da pantera são experiências únicas. Em uma, você terá os primórdios do horror psicológico e a direção charmosa de um dos mais talentosos cineastas da década de 40. Na outra, uma viagem alucinante por mundos distantes e os belos lábios e olhos de Nastassja Kinski transbordando desejo. Dois grandes filmes que poderiam ser um só. Ou, quem sabe, uma boa ideia que se dividiu em duas.
A marca da pantera(Cat People)
Ano: 1982
Direção: Paul Schrader
Sangue de pantera(Cat People)
Ano: 1942
Direção: Jacques Tourneur
Disponíveis em DVD
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