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Ser ou não ser arteiro; eis a questão – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa

Quando somos criança nossos pais dizem constantemente: – como esse menino é arteiro. Fazer arte é, segundo alguns pais, da natureza das crianças. Quando a criança não é arteira todo pai, mãe fica em estado de alerta e com muita preocupação.

Para estes que amam seus rebentos e possuem sanidade diante da vida, um filho não fazer arte pode indicar um sinal de patologia, que pode ser psíquica, física, etc.

Vejam como é a vida! Quando pequeninos a arte é parte fundante da natureza humana e, despretensiosamente, a criança vai sendo feliz e pouco está se lixando com a passagem dos dias e com o correr do tempo. Alias, vamos ser francos e sinceros; a criança, por sentir-se feliz, não tem tempo de pensar no tempo. A apreensão da passagem do tempo é uma propriedade do adulto. A criança vive intensamente seu tempo e, assim, não deixa a vida escorrer por entre seus dedos.

A psicologia, que é papo de adulto, diz que a criança se põe sincreticamente diante das coisas da vida. Traduzindo esta coisa de adulto, a criança não é metade nas coisas que faz. A criança, por ser criança, não possui espaço em sua vida para pensar em separação entre corpo e alma. A criança encarna a síntese dialética do agir e pensar. Pensamento e ação são uma e a mesma coisa em sua lindinha vida.

A criança não pensa e nem quer saber se existe o pensamento cartesiano que divide a vida humana em res cogitum e res extensum, ou não. É por isso que é feliz fazendo arte. Para ficar no âmbito da filosofia, diferente de nós adultos, a criança não sabe e nem tem interesse em saber o que é ser pragmático. Viver a vida pensando para que as coisas servem é coisa, estupidamente, de adulto. Que trágica nossa vida humana! Amanhecemos e dormimos pensando na serventia das coisas. Nesta vida em que vivemos, somente nos apraz as coisas que nos são úteis e, principalmente, aquelas que dão retorno financeiro.

À medida que crescemos e nos tornamos adultos perdemos, paulatinamente, em possibilidades, o alcance prospectivo do verdadeiro processo de humanização.

E, em função do que perdemos o encanto com o maravilhoso ato pleno de viver. O ser humano quando cresce tende se desapegar das coisas que dizem respeito ao prazer do sentir e, se embrenha de corpo e alma, nas coisas que circunscrevem o mundo do ter. Para nós adultos, esquizofrenicamente, quanto mais possuímos mais somos. A criança vai a um mundo mais pleno do que o do adulto e, este entrega todo seu ser ao universo ideológico do ter. Lá no longínquo século XIX, o barbudo e grande amoroso pela humanidade, Karl Marx já alertava que a desvalorização do humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo das coisas. Que coisa incrível! Nós adultos nos apegamos ao mundo, das coisas materiais, – absolutamente ao dinheiro – e intensificamos nosso desapego aos outros seres humanos. Como ainda não se atém a preponderância do valor “mais ou menos nobre” das mercadorias, a criança se sente feliz e vive despretensiosamente. Como faz arte, podemos pensar que há uma linda estética em seu sincretismo.

O apreço de alguns adultos pelo preço e pelo convencionalismo próprios de uma sociedade de consumo, simplesmente, faz com que a maioria dos adultos discursem sobre seu amor pela arte. A maioria dos adultos, pelo seu apego ao ter, não faz dos diferentes universos e linguagens das artes cânones para dar sentido, prazer e muito menos orientar suas vidas.

Muitas vezes, é desértica e árida a vida do adulto. Para a grande maioria das crianças a vida é lírica e leve; já para a quase totalidade dos adultos é trágica, melancólica e triste. A tristeza do adulto faz escola e, quando a criança emerge para este mundo entristece. Infelizmente, nós adultos, ocidentais, carregamos o fardo da culpabilidade, do silêncio e a atração pela dor, oriundas da tradição cristã. Estamos carregando este fardo desde tempos medieválicos.

No livro o Mito de Sísifo, o grande romancista e ensaísta francês, Albert Camus afirma de forma peremptória: acordar, bonde, quatro horas no escritório ou na fábrica, almoço, bonde, quatro horas de trabalho, jantar, sono e segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado no mesmo ritmo, um percurso que transcorre sem problemas a maior parte do tempo. Um dia surge o “por que”. Segundo Camus a lassidão toma conta de uma vida maquinal. Prostrado, cansado, fadigado e frouxo diante da vida, o adulto se sente. Ou o adulto acorda dessa vida maquinal ou deprime.

A criança ama, ri, joga, brinca, “faz arte”, e é exposição total de seu eu em sua ação e em sua fala. O adulto acha piegas falar de amor e amar, diz que chorar é coisa de “mulherzinha” e esta sempre medindo suas palavras ao falar. O adulto vive numa linha tênue entre o dizível e o indizível. Não é em vão que os consultórios de Psicólogos, Psiquiatras e Psicanalistas estão sempre abarrotados de gente grande para poder na solidão de um consultório poder dizer o que verdadeiramente sente. Nestes consultórios os adultos “limpam chaminé” e se esforçam para produzir o encontro do eu exterior com o eu interior.

Fazer arte, amar a arte ou, simplesmente, gostar das coisas que dizem respeito ao mundo das artes pode ser uma saída para uma vida melancólica e triste. Tenhamos mais capacidade para auscultar o coração do mundo das crianças. Apuremos como uma criança o nosso mundo dos sentidos. Tenhamos tempo para curtir nosso tempo. Sem convencionalismos vamos ter prazer em ler um poema, admirar uma tela, ouvir uma música, ler um romance ou, simplesmente, devanear pensando em nossas formas de viver a vida.

O revolucionário romancista Oscar Wilde dizia que só podemos admirar uma criação que se propõe à inutilidade e, podemos fazer coisas úteis desde que não a admiremos. Para Wilde a arte é totalmente inútil. E, é a partir disso que podemos pensar como a arte é importante para nossas vidas, pois ao vivermos submersos numa vida fundada por utilidades, o mundo das diferentes linguagens das artes poderão produzir rompimentos com essa ditadura e perversidade do ter cada vez mais coisas, eminentemente, úteis em nossas vidas.

Fazer arte, viver as coisas da arte e admirar a criação artística, neste mundo desenfreado do consumo, poderá produzir catarses e, neste contexto, encantar-nos mediante as coisas da vida. Diz um ditado popular que todos nós temos um pouco de criança, poeta e louco. Façamos emergir em nós estas facetas que são fundamentais para sermos felizes e vivermos uma vida digna. Não vamos perder o que de criança existe em nós e continuemos vida a fora fazendo e admirando as coisas que dizem respeito ao mundo da arte. Sejamos arteiros e façamos apologia às coisas inúteis que circunscrevem a vida das diferentes linguagens das artes.

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