Janela indiscreta – por Luciana Manica
Recentemente um fotógrafo ganhou na justiça americana o direito de publicar fotos íntimas de vizinhos retratadas a partir da sua janela. O embate se deu entre a privacidade das pessoas fotografadas e a liberdade de expressão do autor, conforme sentença. Ambos os direitos pleiteados são fundamentais, ou seja, com a mesma força.
Daí advém a questão. Será que devemos salvaguardar a liberdade de expressão, a cultura, o direito autoral em detrimento da privacidade e, por vezes da dignidade da pessoa humana?
Normalmente quando em jogo direitos fundamentais, de igual potência, devemos nos valer de outros princípios para sanar a questão, como o da razoabilidade e o da proporcionalidade. Aliás, temos que clamar por um “basta legislar”, pois se fôssemos analisar todas as questões jurídicas postas em juízo, uma sentença razoável poderia ser obtida com a simples aplicação de princípios constitucionais, e não de leis.
Com outras palavras, não precisamos de normas específicas asseverando que isso ou aquilo é lícito, que tal ato é válido, enquanto outro é vetado, ou seja, as regras não necessitam prever tudo de forma minuciosa a ponto de querermos nos valer da máxima “o que não é proibido, é permitido”.
Daí nos questionamos: o que leva alguém a querer expor um terceiro em nome da arte, liberdade de expressão e ainda um tribunal a anuir com tal conduta? Muito provavelmente por detrás desse ato de invasão da privacidade alheia está o viés econômico, e não o interesse público, que por vezes quebra sigilos pessoais com finalidade justificável. Muito provavelmente o tão famoso fotógrafo deixou de retratar a si próprio para não pagar mico!
Por certo as pessoas retratadas não estavam pousando para a foto, como fazem os jovens em boates ansiosos para serem incluídos no rol da fama. Poderia alguém pensar, mas se não quisessem ser fotografados, que fechassem as janelas. Contudo, neste setor existem esferas de privacidade que são, em verdade, círculos concêntricos, perfazendo camadas sobre camadas, sendo o círculo nuclear o do segredo, a intimidade, o intermediário, enquanto o da privacidade é o círculo externo.
Assim, na medida em que o terceiro interfere mais na intimidade de alguém, maior a afronta ao direito da personalidade e, por conseguinte, maior a represália merecida, que poderá refletir na quantificação do dano extrapatrimonial (moral) que dele advirá, sem olvidar no dano material que também poderá incidir.
Nos dias de hoje, o direito à imagem possui forte penetração no cotidiano, principalmente devido à mídia. Imagine uma foto sua exposta na Internet. Se está na rede, está no mundo! A pessoa deve ter o direito de passar de pijama pelos vizinhos que o avistam da janela, mas por certo, quem visualiza não possui o mesmo direito de permitir que a torcida de todas as equipes a vejam nas mesmas condições por ato de publicidade seu, sob a alegação de liberdade de expressão.
O mesmo há de ser aplicado a uma pessoa pública, pois não é o fato de ser pública que deve admitir que sua imagem mais íntima seja publicada em lugar que não autorizou. Não há finalidade abarcada pelos princípios que embasam atos voltados para o bem público numa conduta como esta.
Portanto, o nosso STJ, preocupado com as janelas indiscretas da vida, sumulou o tema asseverando que “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais” (Súm. 403), rechaçando atos que visam lucro em detrimento da privacidade de pessoas. Sejamos mais éticos, permitindo-nos mais liberdade, para que possamos estar com as janelas abertas e sem medo da espiadela alheia!
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