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A simplicidade como um luxo – por Atílio Alencar

Uma profusão de artigos recentes tem enfocado a adoção de estilos de vida mais simples, despojados, com nuances de radicalidade e experimentação entre si. Em síntese, trata-se de experiências pautadas pelo desapego à parafernália pseudoutilitária que os catálogos de lojas de departamentos no empurram goela abaixo, dia após dia, como artigos de vital importância.

São medidas de cunho pessoal no mais das vezes, que encontram seu campo de expressão nos pequenos gestos cotidianos: a bicicleta ao invés do carro, a reutilização e reciclagem ao invés das compras terapêuticas no shopping, a feira de pequenos agricultores ao invés do supermercado, a inventividade da culinária caseira ao invés dos restaurantes garbosos. Como num manifesto discreto pela vida simples, contrapõem-se essas alternativas ao consumismo histérico, desenfreado e naturalizado pelas espessas camadas de publicidade que sufocam a substância real da vida em sociedade: a afirmação da dimensão pública da cidade; o compartilhamento dos espaços, das ideias e das práticas; a inventividade dos modos de existência e os diferentes sentidos que a vida nos inspira.

Quem folheia um texto com esse tema, não raramente encontra exemplos de adesões ilustres a essa simplicidade na contramão. José Mujica figura com frequência entre os exemplos mais citados – nesse caso, com o devido destaque para sua condição de Presidente da República Oriental do Uruguay, o pequeno país que vem despertando simpatia generalizada entre o ativismo renovado de esquerda. Ressalve-se as contradições que todo estadista enfrenta em sua vida política, Mujica colabora para a desconstrução de um modelo viciado de político, assentado na distância abissal entre o ofício do governo e o cotidiano das pessoas comuns, e invariavelmente seduzido pelos confortos que a autoridade proporciona. Pepe Mujica acena do seu fusca enquanto recusa as pompas oficiais, e acena para uma gente que lhe reconhece como um igual.

Com certeza, é um exemplo valioso, não somente pela raridade da sua condição, mas principalmente por ilustrar uma tendência ao contágio benigno da simplicidade, que pode grassar entre diferentes grupos sociais sem ser reduzida à excentricidade de uma figura pública. O desapego ao acúmulo como um ato de honestidade rebelde e de coerência necessária entre prática e discurso – embora numa escala micro, sempre perigosa pelo apelo demagógico que pode sugerir.

Entretanto, e há de se levar em conta isso, há o risco da superficialidade, do apagamento voluntário ou involuntário das desigualdades sociais gritantes, quando se toma a adoção de um estilo de vida simples como uma questão de pura opção pessoal. Porque poder escolher entre o saudável e o doentio não está no horizonte de um imenso, gigantesco número de famílias e indivíduos cuja rotina é esmagada pela necessidade urgente da sobrevivência. Para esses, a defesa do despojamento irá soar um mero capricho ou descargo de consciência de quem desconhece a violência sem maquiagens da precariedade, da polícia, da iminência do desemprego e da falta de moradia.

Dizer “seja simples” para quem vive encurralado entre matar a fome ou morrer dela, mais parece um atestado de cegueira do que um convite à emancipação. Por isso, preservar a lucidez no que tange a defesa de certos modos de vida faz toda a diferença. Afinal, daqui a pouco podemos confundir carência de carne na mesa com dieta vegetariana.

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