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Você (ainda) tem medo de hacker? – por Leonardo Foletto

Você, caro leitor do Claudemirpereira.com.br, santa-mariense e/ou cidadão do mundo, ainda se assusta quando ouve o termo “hacker”? Acha que eles são seres exóticos, madrugadores diante de uma tela preta de código alimentados a pizza e coca-cola que quando menos se espera vão invadir seus sites, descobrirão todas as suas senhas, apagarão todos os seus arquivos, rodarão scripts que vão “raspar” todos os seus dados na rede e ainda escreverão mensagens engraçadinhas em cores berrantes na tela de seu computador?

Embora algumas das ações escritas acima sejam mesmo corriqueiras no mundo hacker, elas já não mais representam fielmente o imaginário do que é ser hacker hoje. O termo vem perdendo gradativamente aquele nefasto significado de “piratas de computador” que filmes e jornalistas usavam e abusavam para falar dos “perigos” da internet. Com a onipresença da tecnologia digital e o “big data“, hoje dá até pra dizer que o hacker está mais pra herói do que vilão — é aquele que, armado com dados abertos e conhecimentos avançados de linguagens de programação (mas não só; conhecimento de qualquer coisa pode servir para “hackear algo”) ajuda a sociedade a entender como funciona para, então, agir nela com eficiência e transparência.

Uma referência fundamental para entender que diabos é este tal hacker é o livro de Steven Levy, “Hackers – Heroes of the Computer Revolution“, publicado em 1984 nos Estados Unidos e em 2001 no Brasil. Nele, Levy analisa o período de 1958 a 1984 para dizer que os primeiros hackers surgiram a partir da década de 1950, primeiramente dentro do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e depois na Califórnia, quando professores e alunos passaram a usar o termo para descrever pessoas com grande habilidade técnica na informática, que aprendiam fazendo, através da prática, e se tornavam excelentes programadores e desenvolvedores de sistemas, mas não raro péssimos alunos — muitos nem chegavam a terminar a graduação.

Estes hackers — alguns dos que Levy cita são Steve Jobs e Steve Wozniak, criadores da Apple, e Ken Willians, um dos primeiros desenvolvedores de games — são (ou foram) autodidatas, apaixonados pela solução de problemas a ponto de varar madrugadas na resolução de algo que não tivesse funcionando. Com esta determinação é que foram se convertendo em excelentes programadores de sistemas e desenvolvedores de hardwares, e, com isso, personagens importantes no desenvolvimento da informática e da internet que hoje conhecemos. Como principais características do hacker são, hoje, a subscrição a ideais de liberdade de acesso à informação (“a informação deve ser livre”) que levam a uma ética de compartilhamento, e a apropriação de tecnologias, no sentido de compreender seu funcionamento e desenvolver a capacidade de modificá-las, para benefício próprio ou coletivo.

Uma das mais importantes provas desse “hackeamento” simbólico do termo aconteceu mês passado,  terça-feira, 18/2, junto ao todo-poderoso Congresso Nacional. Lá se deu a inauguração “oficial” do Laboratório Hacker, um espaço aberto de encontro de hackers diversos para a troca de conhecimentos sobre transparência, dados abertos, políticas públicas, cultura livre e o que mais couber no caldeirão de assuntos que interessa aos hackers (e à sociedade). Durante toda a terça (18) e a quarta (19) foram realizadas atividades sobre estas temáticas, com a participação de gente de todo o Brasil – inclusive este que vos escreve – a falar de temas como visualização de dados, transparência, dados abertos, software e hardware livre, produção cultural colaborativa, cultura livre, além da apresentação das competências e objetivos do LabHacker.

foto leonardoHouve um momento que eu apontaria como “histórico” pelo simbolismo que ele representou: todos nós – ativistas e hackers – ocupamos a mesa do gabinete do Presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e o convencemos a visitar o LabHacker, como mostra a foto acima. Lá foi o presidente da Câmara, alguns deputados, nós (creio que éramos em umas 12 pessoas, entre hackers de todo o Brasil e integrantes da equipe do Lab em Brasília) e toda a patota de assessores, cinegrafistas, jornalistas e outros vários em comitiva pelos corredores encarpetados do Congresso em direção ao Anexo II, Ala B, sala 172/173. O deputado do Rio Grande do Norte chegou ao espaço e logo criou-se aquele cerimonial típico (ainda; até quando?) da política: deputados lado a lado, “público geral” do outro lado, um discursando e o outro ouvindo,mas nesse caso também interpelando a conversa com observações e questionamentos. Alves descreveu o espaço como “uma bagunça organizada” – afinal, são duas salas onde as famosas “baias” cederam lugar a duas mesas grandes, para trabalho coletivo, que àquele momento estavam cheio de computadores e apetrechos digitais – e rabiscou, num espaço de recados na parede, uma frase promissora: “Este Parlamento brasileiro começa a mudar aqui. É a revolução pelas ideias e pela comunicação”.

Uma das diversas situações que me chamaram a atenção naquele dia foi a presença ativa do deputado santa-mariense Paulo Pimenta. Ele esteve sempre lado a lado com Alves, e foi um dos principais articuladores, entre os deputados, para que o LabHacker tomasse corpo. Como santa-mariense de coração e ainda com domicílio eleitoral na cidade, embora não a tenha como casa desde 2007, fiquei surpreso com essa atuação e fui buscando saber, entre os que ali estavam, de onde vem a relação de Pimenta com esse tema. Descobri então que ele é considerado por muitos – entre eles Cristiano Ferri, coordenador do LabHacker e funcionário com mais de 15 anos de Câmara – como o principal interlocutor entre os hackers e a Câmara, além de defensor dos dados abertos e da transparência legislativa. Foi elemento importante também num dos momentos que foi chave para a criação do Lab, o  1º Hackathon da Câmara dos Deputados, entre 30 de outubro e 1 de novembro de 2013.

(Hackathon”, pra quem não é familiarizado com o termo, é como se costuma chamar maratonas de desenvolvimento de ferramentas/aplicativos/sites com dados, normalmente públicos, em um tipo de prática que tem se espalhado no mundo inteiro a partir das políticas de transparência e “open data” adotadas por diversos governos no mundo (outra hora eu talvez fale um pouco mais disso por aqui). No caso do Hackathon da câmara, 27 projetos — selecionados entre 99 inscritos — levaram cerca de 45 hackers para os aposentos do Congresso Federal para trabalhar na produção de ferramentas com os dados abertos disponibilizados pela Câmara. Os três “vencedores”, que ganharam 5k cada para tocar em frente seus projetos, foram O “Meu Congresso Nacional“, que acompanha de perto os dados das movimentações dos Deputados e Senadores no Congresso Nacional; “Monitora Brasil”, um serviço para celulares que serve para que o eleitor acompanhe as atividades dos deputados; e o Deliberatório, jogo de cartas criado a partir da simulação dos processos legislativos da Câmara.)

Nos dias do hackathon, houve o tête-à-tête com o já citado Henrique Eduardo Alves e Pimenta, mediado por Daniela Silva, integrante da Transparência Hacker, rede com mais de 500 ativistas em prol da transparência pública e dos principais atores na articulação do LabHacker. Num vídeo disponível no Youtube (acesse AQUI), que mostra parte desse encontro, ali pelos 12min e 40s, Pedro Markun, também integrante da THacker, questiona: “Transparência não é só dado aberto, mas também processo político. E abertura de processo político é muito mais difícil de fazer do que abertura dos dados. Se a gente quiser mudar realmente a cultura, vamos precisar de algo permanente”.

É a deixa para Henrique Alves elogiar a atitude do hacker e se comprometer, publicamente, na manutenção desse espaço permanente. “Eu vou determinar ao diretor geral da Câmara que, encerrado esse trabalho, nós possamos ter um movimento permanente do hack dessa casa”. Ali ganhava corpo o Lab, que hoje pode ser considerado como o posto mais avançado da cultura hacker no poder nacional  – e que, esperamos, aos poucos também consiga transformar também os processos legislativos, tornando-os, no mínimo, mais transparentes e participativos, seja em Brasília ou em Santa Maria.

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Com prazer aceitei o convite de Claudemir para estar neste espaço, quinzenalmente, escrevendo sobre cultura digital, tecnologia, transparência e outros temas relacionados ao vasto campo de intersecção entre cultura, política e tecnologia. Conheço Claudemir desde muito tempo, amigo que é da minha família (Foletto) e um dos primeiros “chefes” que tive, nesse mesmo sítio, creio que em 2005 (ou 2006?), quando ainda era um graduando em jornalismo da UFSM.

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