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Ah, o rádio! – por Márcio Grings

Quase uma hora da manhã. Faltam poucos minutos para começar o programa. O rádio está ligado num volume quase inaudível. Tudo o que ele não quer é acordar os pais no quarto ao lado. O velho fica extremamente mal humorado quando seu sono é interrompido. Casas de madeira geralmente denunciam mínimos rumores de uma peça para a outra e parecem sensíveis como bebês chorões. Às vezes, o garoto ouve claramente os gemidos dos pais fazendo sexo. “Nessa altura do campeonato já estão dormindo”, conclui o garoto. Ele começa a armar o circo: posiciona as caixas acústicas do três em um no centro da sala.

Deita entre elas com a cabeça apoiada sobre um par de pantufas da mãe. Apenas seus ouvidos separam uma caixa da outra. Aquele jovem tem a nítida impressão de estar numa espécie de misterioso cânion e – no primeiro instante – percebe-se encurralado. Logo depois, sente-se deliciosamente confortável entre o som que vaza por aquele poderoso fone de ouvidos. Na verdade, precisa comprar um fone de ouvidos de verdade. Daí tudo estará resolvido. Naquele momento, essa é a solução. Afinal, não pode perder o programa.

Talvez para um moleque dos dias de hoje seja difícil entender o quanto era duro e praticamente inacessível vasculhar o abecedário musical no início dos anos 1980. Além das limitações de se estar em uma cidade do interior e não pertencer ao círculo principal dos acontecimentos, nada de internet ou de revistas especializadas para facilitar as coisas. É…

Voltando a nossa história, aquele garoto está descobrindo as coisas do seu jeito, intuitivamente. Na verdade, o guri não possui mais do que meia dúzia de LPs na prateleira. Procura compensar a ausência de títulos com algumas fitas cassetes que gravara do acervo de amigos. Além dos colegas de aula e a gurizada da rua e arredores, como fontes de informação ele ainda tem a abençoada loja do Betão (na época a Exclusive estava localizada na Venâncio Aires), além daquele último oásis: o redentor programa de sábado à noite em uma rádio local. A bendita salvação da lavoura.

Algumas semanas antes ele afanou uma revista de rock numa banca do centro. Decorou toda a história do Deep Purple antes mesmo de conhecer o riff de “Smoke On The Water”. Tudo pela informação. Na autoestrada da curiosidade musical e com uma série de limitações aditivadas pela falta de total acesso a sua matéria prima, isso tudo resulta no seguinte diagnóstico: quanto menos sabe, mais instigado ele fica.

O programa vai começar! Dá play no deck, a fita começa girar e o locutor anuncia a primeira atração. A aula só ‘tá começando.

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3 Comentários

  1. Carai Véio… me enxerguei agora lendo tua cronica nos idos anos 70,na interiorana São Gabriel, quando eu e alguns amigos que ja gostavamos da boa musica, ficavamos ate a madrugada para podermos sintonizar a Radio Mitre ou a El Mundo,lógico que AM, ambas da Argentina para termos contato com boa musica… aqui do Brasil, o saudoso e historico Big Boy fazia a festa na Radio Mundial (RJ) com seu Ritmo de Boates, e Cascalho Time começava a dar sinal de vida na Continental, mas voltando aos hermanos, talvez seja isto que me identifique tanto com eles, aguardavamos na El Mundo o tema de abertura, pasmem, ELP, eles mesmo, Emerson Lake and Palmer , From the beginning (ate hj paro para escutar quando raramente toca) e a Mitre, abria seus trabalhos com Roberta Flack e seu Killing me softly… Em um final de semana ouvimos Julio Furts anunciar a chegada dos helicopteros apocalipticos do Pink Floyd, era The Wall… Bateu saudades… quem viveu este tempo com certeza se identificou em tua cronica. Obrigado por reacender boas lembranças… Um abraço

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