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Flanando pela Rio Branco – por Atílio Alencar

Flanar pelas oito quadras da Avenida Rio Branco, entre os extremos da Praça Saldanha e da antiga Estação Férrea, ainda garante um certo desplazamiento, uma leve sensação de ruptura com a ordem rígida e previsível que impera no miolo comercial de Santa Maria. Embora suscetível aos mesmos problemas de trânsito que constrangem qualquer rua central, a velha Rio Branco, com seu comércio decadente, sobrados abandonados, modestas casas de tolerância, bares e hoteis, estampa um cartão postal às avessas, um tanto nostálgico e bastante informal.

Há algum tempo, a avenida foi utilizada como plataforma eleitoral, através das promessas de revitalização – termo de aplicação e intenções duvidosas, se pensarmos que a região nunca deixou de estar vitalizada pelos que nela vivem e trabalham -, mas mesmo com a implementação das reformas e a restauração discutível de seus canteiros, com a remoção dos camelôs e com o estabelecimento de um grande mercado a certa altura de sua extensão, a Rio Branco permanece como uma testemunha insistente de um tempo em que as placas de anúncio comercial ainda não haviam soterrado totalmente a arquitetura original da cidade.

É quase como se, ao transpormos o limite imaginário que separa o sistema nervoso central da cidade do declive que desemboca no largo da Estação, com sua via dupla apinhada de gente nas primeiras quadras mas um tanto escassa de tráfego humano quanto mais avançamos rumo aos trilhos que a pontuam com um fim melancólico, estivéssemos pisando um território mais próximo ao fictício do que propriamente real.

Um escritor uruguaio chamado Juan Carlos Onetti, cuja importância para a literatura latino-americana é consenso entre os grandes mestres desta arte, inventou uma cidade também chamada Santa Maria. Com o olhar um tanto sugestionado pelas páginas que me levaram a percorrer essa outra Santa Maria, penso sempre que é aqui, ao longo destas poucas quadras que acolhem trabalhadores apressados, garçonetes morosas, putas cansadas e motoboys sonâmbulos, que as duas cidades, a da Boca do Monte e a de Onetti, encontram-se no sonho e no concreto.

A Rio Branco do grande edifício em ruínas, das casas de cachorro improvisadas na calçada, das lojas de importados precários e do Mauá, um residencial com estilo Copacabana anos 40, é tanto mais real – ainda que magicamente literária – por sua resistência à frigidez da especulação imobiliária; mais intensa que o resto do centro porque em suas calçadas, bancos e sacadas ainda há um coração pleno de folclore e mistérios noturnos a pulsar. Claro, logo ali aponta um e outro sinal de que o progresso está chegando, implacável, ávido por engolir o que resta de história com sua boca de letreiros luminosos e portarias assépticas. Mas ainda é uma avenida dona de si, com seus humores ora sombrios, ora solares.

Não admira que a Rio Branco inspire também medos e receios. É que as pessoas, mesmo as mais jovens, penso eu, andam muito habituadas a acreditar na maquiagem padronizada que o comércio sofisticado imprimiu às ruas. Confundem os outdoors com a legenda segura de seus percursos. Mas há ainda quem ache graça em paredes e ruas que transpiram dramas e alegrias cotidianas, e não apenas gritos de liquidação.

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