O Marco Civil da Internet – por Atílio Alencar
Aprovado de forma quase unânime na votação do Congresso Nacional na terça 25/03, o Marco Civil da Internet (que vinha sendo há anos uma das principais bandeiras dos ativistas da cultura digital no Brasil), em sua atual forma, é efeito não só do avanço dos debates sobre a regulamentação dos direitos individuais na esfera virtual, mas também do acirramento da disputa global entre interesses corporativos (expressos na instável relação entre empresas de comunicação e agências estatais de inteligência) e civis. Nele, vislumbramos tanto o resultado da elaboração coletiva dedicada à ampliação dos direitos do usuário, como as brechas estratégicas conquistadas pelos lobistas estatais e mercadológicos.
O Marco Civil começou a ser redigido ainda na década passada, quando a ação coordenada entre algumas das frentes mais progressistas no Governo Lula e a sociedade civil organizada implementaram uma plataforma específica para a construção pública dos termos da futura regulamentação. Em parte, o debate era também uma contranarrativa ao projeto que mereceu a alcunha de “AI-5 Digital”, de autoria do então deputado Eduardo Azeredo (PSDB), que focava unicamente na punição para crimes digitais. Basicamente um projeto que desconsiderava os direitos dos usuários na rede, a Lei Azeredo preferia defender incondicionalmente as instituições financeiras de possíveis danos causados por estelionatários e falsificadores digitais.
Argumentando em prol de um marco regulatório mais amplo, que partisse do reconhecimento dos direitos e não da criminalização prévia, os ativistas lograram reverter a situação e emplacar a votação do Marco Civil como prioridade para um país cujo governo se pretendia progressista.
Se por um determinado período vivemos a euforia de habitarmos um mundo de irrefreada liberdade ao conectarmos nossas máquinas pessoais à Internet, após os recentes projetos de leis de vigilância e as denúncias de práticas abusivas por parte de governos essa ilusão tornou-se insustentável.
A defesa da neutralidade e da liberdade de expressão é a expectativa central em relação ao Marco em fase de aprovação (o projeto ainda precisa da aprovação do Senado): se por um lado o texto agrada aos ativistas por supostamente inibir a priorização de conteúdos mediante custos diferenciados de acesso – impedindo, assim, que as grandes empresas adquiram privilégios na Internet e sobreponham suas plataformas aos sites menores -, por outro, ainda restam dúvidas quanto às brechas para a censura e a vigilância.
Os interesses financeiros mobilizados em torno da neutralidade ou não da Internet brasileira são gigantescos, e há indícios de que a indústria das telecomunicações já age no sentido de explorar as passagens dúbias do projeto aprovado pela Câmara, em busca da possibilidade de concentrar o acesso e garantir seus ‘latifúndios virtuais’.
De certo modo, seria a oficialização de um processo já existente, com apenas alguns poucos sites concentrando o acesso de milhões de usuários – a diferença é que o Marco Civil, em tese, garante ao usuário o direito de escolha, enquanto a vitória dos opositores ao projeto significaria a eliminação do livre arbítrio na rede.
Independente das imperfeições e concessões que conferem ao Marco Civil da Internet sua configuração atual, no entanto, a simples aprovação de um projeto com este perfil, sensível aos direitos dos usuários e com potencial de expansão da cidadania ao nível da virtualidade, ao invés de simplesmente demarcar linhas não-ultrapassáveis da navegação, é um fato histórico.
A disputa pela Internet livre tem como elementos imprescindíveis a garantia do acesso irrestrito e da horizontalidade dos fluxos de informação, cuja distribuição não-hierárquica é a antítese das redes analógicas e seus respectivos espectros pilhados pelo poderio dos grandes conglomerados. Nesse sentido, o Marco Civil preserva ainda, mesmo após as sucessivas alterações no texto ao longo dos anos, sua essência progressista.
A Internet como ambiente de produção de conhecimento, de compartilhamento de conteúdos e de alternativas midiáticas só seguirá possível com a consolidação de leis que garantam a liberdade e a criatividade dos usuários. E o Brasil pode estar esboçando um modelo – ainda que bastante embrionário – para que isso seja possível em escala global.
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