Robôs e jornalismo, futuro próximo? – por Leonardo Foletto
Na semana passada, li um texto que me instigou bastante: “um jornal impresso feito por robôs é o futuro da mídia ou apenas uma atividade secundária?”. Nele, o jornalista relatava o causo de que o The Guardian, um dos principais jornais da Inglaterra – certamente um dos mais inovadores do planeta, especialmente na seara digital – experimentou uma edição limitada de seu jornal impresso totalmente produzido por algoritmos, as sequências de cálculos automatizadas que estão por trás de todo software. E a partir da notícia, fazia a pergunta que dá título ao artigo, questionando também se é este, de fato, o jornalismo que queremos de nossos famigerados jornais impressos.
Como ando pesquisando a cultura hacker e o jornalismo no doutorado, esse é um assunto que me interessa. Não é de hoje que vemos um crescimento absurdo da influência da tecnologia digital em todos os processos e produtos jornalísticos. Enquanto trabalhamos como jornalistas, apuramos, escrevemos, filmamos, editamos, gravamos, fazemos fotos, publicamos e fazemos circular nossas matérias, reportagens, vídeos e fotografias em máquinas governadas por dígitos, combinações infinitas e complexas de binários (0 e 1).
Não importa o suporte que o jornalismo é veiculado, todos eles estão tomados por máquinas digitais em alguma – ou em todas – etapas, caso do jornalismo publicado aqui diariamente no https://claudemirpereira.com.br, por exemplo. A não ser que você queira fazer um jornal artesanal, escrever a mão, copiar o texto em mimeógrafos (existem ainda?) e distribuir na rua, ou em bancas e livrarias, não há como escapar da digitalização.
Daí que, ao ler a matéria sobre o avanço dos “robôs” sobre os processos jornalísticos que antes humanos faziam, diversas questões vieram à tona. Se a competência da técnica é cada vez mais importante na produção do jornalismo, e se a forma de ‘objetividade’ na atividade jornalística, especialmente nas seções “últimas notícias” dos sites, desumaniza tanto o processo que fica fácil um robô fazer isso, o que aconteceria se eles, robôs (scripts, combinações várias de algoritmos bem construídos de seleção e hierarquização da informação) substituíssem de fato um editor de um jornal?
Teríamos um jornal somente da “bolha” de nossos amigos ou pessoas com pontos de vistas semelhantes, com informações sobre coisas que já demonstramos interesse em algum momento na rede, como é o caso da timeline do Facebook, o nosso “jornal diário” que consultamos diariamente (alguém de vocês não faz isso?) e mistura notícias importantes, exibição turística, gastronômica e apaixonada alheia, memes da internet e muito, mas muito comentário sobre tudo e todos?
Imagino que nem eu nem ninguém tenha respostas a estas questões. Para produzir um jornalismo de qualidade, que traz uma informação que as vezes nem sabíamos ser de suma importância para o interesse público, sempre foi necessário aquele “feeling” do repórter em buscar informações, sentir quando elas podem se tornar notícias relevantes e de que forma elas devem ser apresentadas para fisgar quem lê/assiste/ouve. Com a maior influência da tecnologia no jornalismo, e a onipresença das redes digitais, cada vez mais informações podem ser buscadas por ferramentas digitais, quanto mais avançadas as buscas melhor a qualidade e a possibilidade de cruzamentos dessa informação – e taí o jornalismo de dados (ou datajournalism) e as reportagens multimídia para provar o quão bom jornalismo é possível fazer dessa maneira.
Mas o “faro” de identificar “isto é notícia!” depende de tantos fatores, tantas variáveis e de tantas questões subjetivas, que fica difícil de elaborar, hoje, uma coleção de algoritmos (um “robô”) tão robusta que dê conta de fazer automaticamente esse processo. Os robôs do The Guardian talvez estejam tateando nesse caminho, mas se não houver quem os programe, quem coloque sentenças do tipo “se a informação X estiver na rede deve ser notícia, portanto publicada”, não há robô que dê conta.
Além disso, outras questões surgem: e se as informações de alguma forma não estiverem digitalizadas em nenhum espaço na rede, como um robô irá saber quem entrevistar ou que esse acidente que aconteceu agora em frente a minha casa deve ser notícia? E se esse “jornal diário” feito pelos robôs, baseados nos nossos interesses demonstrados nas redes sociais (posts que curtimos, fanpagens que seguimos, pessoas que mais acompanhamos e comentamos), não trouxer informações básicas sobre o tempo, trânsito, horários e preços, informações básicas de interesse de uma coletividade organizada, em torno de uma cidade, por exemplo, consumiríamos assim mesmo esse produto?
Questões, questões e mais questões que hoje não têm resposta, mas que só o fato de poderem ser colocadas dão uma pista de como o mundo – e o jornalismo – está em profunda mutação.
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