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Santa Maria dos Artistas de Rua – por Atílio Alencar

Dizer que Santa Maria é uma cidade de viajantes é dizer o óbvio, mas um óbvio cada vez mais necessário.

São passantes de todas as idades que, desde o século XIX, emprestam às ruas daqui uma agitação de verniz cosmopolita – agitação que encontra expressão singular na história das companhias teatrais que chegavam com o trem, na tradição de caixeiros-viajantes que legou um patrimônio cultural significativo e com os milhares de universitários que desembarcam na cidades todos os anos.

Entretanto, não é de hoje que, paralelamente à contribuição de toda esta mobilidade humana, diversas manifestações ligadas ao perfil transitório da cidade são criminalizadas e perseguidas pela administração municipal, sob as diversas siglas que ocupam o poder em Santa Maria.

Claro que a corda arrebenta sempre no lado mais fraco. Os problemas de trânsito, transporte e organização urbana na cidade são crônicos, e os paliativos aplicados, geralmente insuficientes para a população. A agilidade desproporcional com que se atende aos interesses empresariais, em detrimento às demandas comunitárias eternamente negligenciadas, é um retrato bastante fiel da atual gestão, aliás.

Um bom exemplo disso é a caçada sistemática que se pratica contra os artesãos e artistas de rua em Santa Maria, desde há tempos.

O centro da cidade é hoje uma zona completamente privatizada, onde até mesmo uma simples panfletagem pode ser enquadrada como ofensiva à tal Lei Orgânica que, convenientemente, não vale quando o assunto é a poluição eleitoral. Que o diga o pequeno grupo de militantes feministas que, recentemente, foi constrangido pela Guarda Municipal quando divulgava sua marcha.

A publicidade ostensiva, com seus atentados ao patrimônio arquitetônico de Santa Maria, infelizmente não sofre das mesmas restrições.

Mas para os vigilantes dos bons costumes, a presença de um artista de rua, de um comerciante informal, de um pano ao chão como suporte para o artesanato – isso sim é ato passível de condenação sumária.

Por graça do preconceito e da garantia dos lucros, o caos urbano de Santa Maria já tem seus culpados.

É verdade que se trata de um conflito entre a frieza da lei imposta em benefício de poucos – os intocáveis comerciantes ‘legais’ e suas associações corporativistas – e a vivacidade dos artistas/artesãos, acostumados a este tipo de perseguição. Hoje são dispersos; amanhã se reorganizam, íntimos que são dos fluxos da rua, e voltam a cravar seu quartel pacífico no centro da cidade.

O estopim para uma nova onda de histeria contra os artistas e comerciantes de rua foi a recente passagem de ambulantes africanos por Santa Maria. As peles pretas reluzindo ao sol, em contraste com os artefatos coloridos ofertados ao público, foram a gota d’água para quem defende com unhas e dentes a ‘limpeza’ do centro.

Não se enganem: há muito de racismo e fobia de pobre na ânsia de fazer o Calçadão ficar parecido com uma quadra de Beverly Hills. Não fossem os pés sujos, os cabelos desgrenhados, as roupas destoantes dos hippies ou as mães índias amamentando suas crianças, quem sabe as soluções propostas fossem mais sensíveis que a simples proibição.

Afinal, tem gente que adoraria que Santa Maria se resumisse no perfil do típico aluno de cursinho pré-vestibular pago: branco, de roupas novas, com sobrenome importante e cartão de crédito liberado pelos pais.

Felizmente, a insistência criativa dos desajustados há de exigir do poder público um bocado mais de trabalho: quem sabe até um pouco de inteligência política dos gestores e legisladores, que um dia talvez percebam que a diversidade de Santa Maria é maior que seus pactos de interesses.

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